Brasil: uma história sem amor

25 de maio de 2016 17:56 1989

A relação amorosa de uma mãe com seu bebê é vital para a constituição da criança enquanto pessoa. Essa relação primária, íntima e privada, oferece amparo e segurança que são necessários para que ela construa um senso de si mesma, a formação do seu Eu e, futuramente, possa se inserir no mundo com os outros de maneira segura, confiante e independente. Essa experiência elementar do amor propicia uma estrutura que permite a pessoa se reconhecer, se autorizar por si só, construir projetos e sua identidade. Essa identidade dá sustentação à coragem de se lançar no horizonte sem o medo de perder a si mesmo, a despeito das circunstâncias. Na medida em que cresce, a pessoa tem a possibilidade de experimentar outros encontros intersubjetivos, que vai ampliando seu modo de ser, fazendo parte de um todo grupal (público). Todavia, se esse modo não se constitui nesse nível grupal, há o risco de que a pessoa cristalize-se no funcionamento infantil, referenciando-se unicamente no modelo de amor extraído daquela relação primeira com a mãe.
Destarte, se para Platão “o amor é uma força, uma energia, que se manifesta na alma como um sentimento de lembrança de algo que a alma já teve, mas perdeu”, o que pensar sobre o caso da república brasileira que teve o amor arrancado quando ainda dormia em berço esplêndido?
Em 1889 oficializou-se o movimento histórico de construção da república brasileira, imaginada pelas elites políticas, econômicas e intelectuais da época. Considerando as divergências de interesse e multiplicidade cultural, o modelo de civilização “ocidentalizada” acabou sendo um projeto imposto por viris senhores representantes da ordem – militares. Desde então, nossa bandeira traz seu lema: “ordem e progresso”. Essa frase contida no símbolo nacional da república é de inspiração positivista.
O Positivismo é uma corrente filosófica que surgiu na França e defendia a ideia de que o progresso da humanidade dependeria exclusivamente dos avanços científicos. Um dado significativo, porém esquecido na história, é que o lema positivista original é “o AMOR como princípio e a ORDEM como base; o PROGRESSO como meta”. Porém, na construção da república, o amor, ou desejo, era temido como algo incontrolável e ameaçador para a conquista do progresso idealizado aos moldes das civilizações norte-americanas e europeias. Culturas bastante distintas do nosso modelo, lamentavelmente vistas sob uma fantasia de classes superiores, de valores morais mais elevados e, com efeito, contrastam com a cultura heterogênica do povo, que ainda hoje busca espaço de legitimidade de sua identidade. Portanto, fica evidente que fizeram nascer uma república brasileira em que o amor foi suprimido desde seu cueiro.
Uma criança que não experimentou o amor, o amparo, em sua tenra idade terá dificuldades de enfrentar a vida e as crises decorrentes da existência. Nesse sentido, uma parcela da população brasileira possui determinados comportamentos no âmbito público que demonstra a insegurança gerada pelo “desamparo original”. No Brasil elitizado, a força do espaço privado (resguardo da intimidade, proteção das casas, hipervalorização do corpo, esmero com a aparência, busca por entretenimento) é maior que a do mundo público. Portanto, esse modelo de relação privada/íntima prepondera sobre o grupal. Trata-se de uma classe que possui dificuldades para o exercício do coletivo democrático por serem movidas pelo medo e a insegurança. Assim, quando em um espaço público, só é capaz de se apresentar e se relacionar em um modo de “destaque”, soberano, buscando atenção para si e suas necessidades particulares.
Desse modo, frente às crises eminentes ou sugeridas (por órgãos midiáticos), essa parcela histérica da população busca desesperadamente por um colo protetor. Mesmo que isso lhe ameace a liberdade. Lembrando que o bebê, agora gigante, se sustenta na referência daquela relação primeira: uma proteção aniquiladora de sua identidade, sem a égide do amor. Daí decorrem os apelos por arrochos nas leis, aumento de punições, quiçá um retorno a um regime mais autoritário na ilusão infantil de resgate da “segurança”. Além disso, no espaço governamental, a Cultura (tida aqui como identidade) pode ser facilmente desmantelada ou segregada em um quarto de despejo.
Em síntese, onde não houve amor como princípio, simplesmente não há consistência identitária, não há equidade de progresso. A política vigente “ordem e progresso”, sem amor, continua atendendo apenas a necessidade de uma minoria específica de classe, não a todos!


Por Henrique Aquino – psicoterapeuta

 

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