ENTREVISTA: Elenise – uma história de emoção e alegria

25 de fevereiro de 2017 15:15 3896

Nesse sábado de Carnaval destacamos todo o brilho, alegria, amizade e união do Carnaval dos Anos 70, através de uma perdoense que faz parte dessa história.15
Como em outras cidades, Perdões não terá Carnaval em praça pública pelo segundo ano consecutivo devido à situação financeira e a violência, o que não deverá continuar, se depender da dinâmica Elenise e outras pessoas que amam carnaval. Carnaval de cores e fantasias, carnaval de amizades e alegrias.
Elenise Aparecida de Carvalho, perdoense, filha de Custódio Carvalho (mais conhecido como Toti Pereira) e Juraci Freire de Carvalho, irmã da Eleusa, Elaine (in memorian) e Elci. Nasceu na Comunidade do Cerrado e quando tinha 2 anos sua família mudou para Perdões, onde ela viveu até os 19 anos. Mudou-se para Belo Horizonte, onde viveu durante 25 anos e há 12 anos foi transferida do seu trabalho para a Superitendência Regional de Campo Belo.
O Jornal VOZ fez o convite para entrevista com essa mulher inteligente, politizada e que sabe o que quer.
A entrevista foi gravada na cozinha da casa de sua irmã Eleusa, onde moravam seus pais, na Rua do Cruzeiro.
Elenise é pedagoga, concursada pelo Estado na área de educação.
Jornal VOZ: Você mora em Campo Belo, mas pretende voltar para Perdões?
Elenise: Sim, o mais rápido possível pois aposentei a semana passada (entrevista em 20/02) na Secretaria de Educação do Governo de Minas.
Jornal VOZ: Você já trabalhou em Perdões?
Elenise: Sim. Trabalhei em escolas estaduais de Perdões no início da minha carreira. Dei aulas na Comunidade do Cerrado pela manhã e à tarde na Escola José Norberto de Andrade por 4 anos e nos finais de semana, ainda ia para a faculdade em Três Corações, onde me formei em Pedagogia. Fui professora na Escola Carmelita Carvalho Garcia – tudo no principio de carreira quando eu tinha entre 16 e 17 anos.
Aos 19 anos fui para Belo Horizonte e trabalhei em várias empresas.
Aqui em Perdões eu já cantava em casamentos, aliás de muita gente conhecida. Cantei em Belo Horizonte, inclusive na Igreja da Pampulha.
Sempre venho para Perdões, todo fim de semana. Tem um ano e meio que perdi meu pai, minha mãe há quatro anos. E quero estar aqui ao lado das minhas duas irmãs e dos meus amigos.
Jornal VOZ: Elenise, uma das coisas que chamou a atenção da nossa reportagem – as suas fotos de Carnaval da década de 70 e muitos comentários.
Quando você iniciou sua participação em desfiles de Carnaval?
Elenise: Carnaval para mim, é o seguinte – meu pai era muito sistemático e quando eu era criança, nunca pulei carnaval, ele não deixava, a gente ia para a roça.
Quando fiz 15 anos minha mãe “fez a cabeça dele”, ficamos sócios do Cacique Clube. Então a primeira vez que fui num Carnaval, eu tinha 16 anos, sempre gostei, mas não tinha oportunidade.
Em Perdões, antigamente, o Cacique Clube, o carnaval era tudo de bom. Tinha competição de Blocos – lá dentro do clube as pessoas faziam Blocos. E nós fizemos um Bloco para concorrer e esse Bloco se chamava “Alegria do Morro”.
Éramos uma turma de amigos, frequentávamos o Berimbau, íamos juntos nas fazendas dos amigos. A gente era muito unida – cerca de 20 pessoas e nos reuníamos para beber no carnaval, cada ano num lugar. Então nesse ano que nos reunimos para disputar esse Concurso de Blocos – o nosso Bloco tinha umas 80 pessoas.
Reunimos para beber na casa da Cristina Câmara, casada com o Gê. Então conversa vai, conversa vem, nessa reunião fizemos o bloco para disputar. Aí foi chegando mais gente, inclusive muitos que nem eram da ‘turma da bebida’.
O Sr. Hudson, pai da Fátima Comanduci, era um carnavalesco, ele trabalhou até em escola de samba do Rio de Janeiro; era um artista fenomenal – foi ele quem criou a fantasia pra gente.
Era uma fantasia tão simples – uma blusinha, uma sainha amarela; os homens, uma bermuda de cetim amarelo e eles tinham só a gravata. O que deu efeito na fantasia? O número de pessoas, porque o Bloco era grande, a gente cortou bolas de papel laminado de várias cores e pregou no corpo com cola Tenaz (era uma tristeza, porque depois suava, aquilo começava a soltar, tinha cola no cabelo), mas era uma fantasia bem criativa.
Nós vencemos o concurso, dentre uns seis Blocos disputando e assim no ano seguinte decidimos fazer uma escola de samba ou mesmo um bloco para sair na rua. Sair com uma ala, eu como porta bandeira (com uma roupa branca, toda de renda que eu tirei da capa do disco da Clara Nunes), o mestre-sala Juca do Seu Zé de Assis.
Como fizemos isso? Quando nós ganhamos o bloco, começamos a pagar carnê, então todos que queriam participar pagavam parcelado o carnê.
Era bem organizado. A gente fazia festas, encontrava todo final de semana.
O enredo pensamos na música do Seu Lulu – fizemos o carro alegórico baseado nessa música. Ele era muito atuante e um carnavalesco de primeira linha em Perdões.
Fizemos o carro alegórico com uma representação do morro da Palestina com as casinhas – a urbanização era menos.
Na escola de samba tinha destaques, como a Iara do Teco, que sempre teve fantasias maravilhosas. O Seu Hudson fazia fantasias belíssimas para ela.
Definimos que as cores da nossa escola seriam amarela e azul.
A partir do terceiro ano que estávamos desfilando, além de pagarmos o carnê, realizarmos festas para arrecadar dinheiro para o carnaval, contávamos com uma pequena ajuda da prefeitura.
Os presidentes da nossa escola foram: Cláudio Câmara, primeiro presidente – a gente ia ao Rio de Janeiro comprar fantasia, enfeites em Belo Horizonte, alguns adereços de São João Del Rei, depois foi presidente, o Teco, e foi ali que ele demonstrou a primeira vocação para administrar bem. Todos que foram presidentes administraram bem.
O Teco fazia de tudo além de presidente, fazia armações de arame que ele nunca tinha visto. Ele vinha aqui na casa da minha mãe e quando eu ia experimentar o vestido, ajudava a vestí-lo, fazia os adereços para eu colocar na cabeça; bordava; Deinho, Totonho, enfim todos foram grandes presidentes da escola.
Havia uma interação tão grande entre a gente que todo mundo fazia tudo.
Jornal VOZ: Ouvindo você falar sobre o Bloco, Escola de Samba, constatamos que você lembra de tudo com detalhes. Além dessa escola você lembra de alguma outra da época?
Elenise: Lembro de tudo com detalhes porque marcou minha vida. O que nos interessa e faz bem, temos que memorizar e agradecer a Deus por ter vivido tudo isso. Não foi só uma vivência de carnaval, mas também de adolescência e juventude.
Depois de dois anos surgiu uma escola de samba perto do Ginásio parece que seu nome era Mocidade Perdoense – outra agremiação.
A Ângela do Cica era a porta bandeira, tinha a Libertad com umas fantasias muito bonitas, sambava muito bem.
O Berimbau e Rua 7 de Setembro lotavam. Até emocionava.
Essas ruas eram difíceis para descer com a escola de samba – paralelepípedo – eu dançava com salto alto com a bandeira, com o vestido cheio de arame, mas a ‘Alegria do Morro’ era a nossa vida.
Jornal VOZ: Diante do quadro político e social do Brasil, como você analisa passado – presente e futuro?
Elenise: Vivi minha adolescência em plena ditadura, onde quem se manifestava contra o governo era torturado, exilado e muita gente morta. Participei ativamente como uma “Cara Pintada”, já morando em Belo Horizonte, no movimento pelas Diretas Já. Aquilo foi um dos momentos mais marcantes de minha vida. Ver tanta gente na rua lutando para ter o direito de eleger um Presidente da República pelo voto direto, foi emocionante. Todos unidos e conquistamos esse direito democrático.
No presente, penso que os últimos acontecimentos foram muito prejudiciais para a manutenção da democracia. Não concordo que uma presidente eleita pelo voto tenha sido tirada do poder porque o país está em crise. O caminho deveria ter sido pelo voto em 2018. Isso enfraqueceu as instituições e deu margem a uma onda total de desrespeito. Estamos vivendo uma situação onde impera o desrespeito. Facções criminosas comandando e dando às ordens de dentro dos presídios. Quando uma presidente da República é desrespeitada, insultada, humilhada como vimos recentemente, isso não é bom. Muito triste também, o abuso ter sido maior, por se tratar de uma mulher. No inconsciente, às pessoas menos esclarecidas, despolitizadas perdem o respeito pelas instituições e acham que podem tudo, afinal de contas a autoridade maior do país foi atacada e porque então eu tenho que respeitar? Não estou defendendo partido ou quem quer que seja. Fosse outro o presidente e o partido, minha opinião seria a mesma. A forma que a situação foi conduzida é que não concordo. E qual foi a melhora depois disso? Nenhuma. Os corruptos continuam todos no poder, mudando legislação que irão atingir negativamente a vida dos trabalhadores e a população em geral. A democracia ficou muito enfraquecida e os fatos são relativizados pela grande mídia de acordo com seus interesses.
O futuro nem tenho ideia de como será. Se for com esse tipo de políticos que temos hoje, com certeza, bom não será. Minha esperança é que as pessoas passem a se interessar por política e não elejam mais esses que hoje ocupam os cargos no executivo federal e principalmente no legislativo federal. Deputados e Senadores são funções públicas mais importantes que Presidente da República. São eles que dão as cartas. A única alternativa de mudança está em nossas mãos nas eleições de 2018. Não precisa de justiça, lava jato, dinheiro, etc. Nós podemos mudar esse país colocando no poder pessoas honestas, éticas. Basta conhecer o currículo do candidato antes de dar o voto e não se vender por tão pouco. Voto tem consequência e nós é que iremos pagar um preço muito alto.
No social, a vida era bem mais difícil no passado. As pessoas tinham menos bens materiais, não tinha programas sociais mas a solidariedade era intensa. Sou de uma geração que pensávamos no outro e mesmo com dificuldades as pessoas eram mais humanas, menos violentas e se respeitavam.
Vi muita gente passando necessidades, mas eram incapazes de roubar. Tinham dignidade. Trabalhavam, às vezes, por um prato de comida e no maior astral. Com 10 anos tinha muita criança trabalhando e isso não prejudicou a vida de ninguém. Hoje, temos tantos programas sociais mas o convívio social degradou totalmente. Crianças aterrorizando cidades. Nenhuma autoridade Estatal pode substituir a autoridade paterna e materna.
“Quem pariu Mateus que o embale”
Jornal VOZ: Nas suas fotos postadas no Facebook você relembra muita gente sobre essa alegria do carnaval. Quem você gostaria de destacar?
Elenise: O trabalho do Sr. Hudson Oliveira, pois sem ele nada daquilo seria possível; minha mãe que fez todas essas fantasias – fazia fantasia da bateria – mais de 90 pessoas, as minhas fantasias, do mestre sala. Fazia com muito carinho.
Aos meus mestres sala – Juca do Seu Zé de Assis, o Nico Merces, o Deca – que me deram essa honra nos desfiles como grandes passistas durante o tempo que a ‘Alegria do Morro’ desfilou.


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Elenise faz parte de uma geração que ama Carnaval e para essa geração, essa festa é sinônimo de alegria, amizade e união.

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