Outro dia, enquanto passeava com o Magnus, meu husky, descobri uma palavra japonesa que me encantou: komorebi. Ela descreve aquela luz suave do sol filtrada pelas folhas das árvores, a qual costuma desenhar sombras no chão, acalmando o mundo circundante. Em português, não temos um termo equivalente capaz de evocar tal imagem. E talvez seja justamente isso que capturou meu interesse erradio. Ko (árvore), more (atravessar), bi (sol). Lindo! É curioso como, às vezes, um único vocábulo pode conter um instante inteiro, com tudo o que ele tem de riqueza e efemeridade.
Assim, fiquei matutando isso ao passo que meu amigo canino sondava o território em busca de um local para se aliviar. No fim, a capacidade de raciocinarmos e nos comunicarmos com signos verbais é justamente um dos atributos identificadores de nossa humanidade. Nomear coisas, narrar fatos, compartilhar experiências são amostras das infinitas possibilidades da linguagem. Escrever para um jornal, por exemplo, é como lançar mensagens em garrafas ao mar — um mar hoje saturado de algoritmos, notificações e vídeos de quinze segundos. O rebelde que se atreve a folhear a mídia impressa, lendo, digamos, esta crônica, parece integrar uma resistência silenciosa. Nos tempos correntes, somos poucos, mas somos indômitos.
A ironia é que estamos em plena era da informação e, no entanto, costumamos interagir de forma rápida e breve, normalmente com uma pobreza franciscana de palavras. Esse lastimável hábito conduz à inevitável subutilização de um idioma prenhe de sutilezas, especificidades, poesia, ou seja, perdemos em beleza. Pesquisas indicam que, a cada ano, as pessoas dispõem não só de um vocabulário menor (encurtado nos últimos trinta anos com uma rapidez tão assustadora quanto o derretimento das calotas polares), como embananam os significados de palavras, conhecem menos os postulados sintáticos, utilizam mal a pontuação, têm dificuldade para ler e escrever textos mais elaborados. Hum, ainda não foi feito, mas, se fossem elaborar um dicionário apenas com os termos realmente em uso pelo grosso da população, O Pai dos Burros ficaria minúsculo.
Claro que não é só aqui. Isso é um fenômeno global. Mas, no Brasil, antes terra de Machado, esse apagamento linguístico parece um vírus contra o qual ainda não temos defesa. Porque não estamos perdendo apenas palavras: estamos perdendo modos verbais inteiros, partículas que carregavam delicadeza, cor e modos de entender o mundo. Vejam bem, não se trata de pedir que todos falem com formalismo empolado, feito um Rui Barbosa. Trata-se apenas de lembrar que, sem palavras, até o pensamento se cala.
Neologismos, gírias, memes e até as carinhas amarelas são bem-vindos. O idioma é vivo, precisa, claro, respirar. Porém necessitamos garantir que, nesses novos ares, ainda exista espaço para o verbo, para a vírgula, para as regras mínimas do bem falar, pois no dia em que komorebi deixar de existir — não na língua japonesa, mas dentro da nossa capacidade de sentir — será, portanto, o fatídico dia em que deixaremos de notar a passagem da luz entre as folhas de nossas relações.
por Maxmiller Hübner