SOPRO DE LEMBRANÇA

30 de dezembro de 2025 17:34 43

O tempo,
criança marota,
corre sem pedir licença.

Passava ligeiro
pelas ruas de Perdões,
pisando pedras,
dançando miúdo
sob o sol quente.

E a gente —
menino, menina —
sem saber direito
o que fazer
com aquele redemoinho
no peito.

Éramos quase gente,
quase rapaz,
quase moça.
Nem criança,
nem adulto ainda.

Suspensos
entre emoções.

O sorriso
nos olhos —
arrepio.

Na pracinha,
o velho banco
rangia segredos.
A luz — pouca —
era cúmplice.
A sombra, abrigo.

Lábios roçados:
quase beijo.

Mas o coração…
ah, o coração,
acelerado,
já batia inteiro.

Tinha bailinhos no clube,
carnaval de alma solta,
o caminho da roça,
rios e riachos
que sabiam de cor
o nome
da nossa liberdade.

Havia olhos nos muros,
sentinelas da calçada:
o mundo vigiando
o nosso jeito de amar
— torto, terno, inocente.

Mesmo assim,
a gente amava.

O cinema —
velho e cansado —
morria devagar.

A gente estreava ali,
de mãos dadas,
um filme só nosso:
roteiro escrito na alma,
final cortado
pelo medo.

Às vezes,
a gente ia mais longe.
Pele com pele,
tremor e calor —
uma ousadia
no escuro da noite.

Depois, silêncio.
Ninguém contava tudo.
Porque amor adolescente
é segredo sagrado.

Hoje, volto.

Perdões
me olha
com os mesmos olhos
de antigamente.

As esquinas
sussurram nomes
quase esquecidos.

O cheiro do cabelo dela,
o sorriso de seus olhos,
ainda moram em mim.

Cada sorriso guardado
me lembra:

o tempo leva muito —
mas não leva tudo.

Os amores primeiros
não envelhecem.
Ficam ali,
quietos,
intactos.

Esperando
um sopro de lembrança
no fundo do peito,
em silêncio.

Marco Túlio V. Alvarenga

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