Por experiência clínica, sabemos que a “crise adolescente” é mais aguda e complexa quanto mais rígido for o sistema familiar no qual o jovem está inserido. Quanto mais os pais são duros e cristalizados de seu lado, mais forte será a resposta de insatisfação ou rebeldia pelo lado do adolescente. Isso se dá pelo fato de a adolescência apresentar um fascinante estágio da vida, de busca, curiosidade, mudanças rápidas e inesperadas, que nem sempre são reconhecidas e respeitadas dentro de casa. Não é incomum encontrar pais que temem essa fase mais que os próprios sujeitos imersos nela, deixando-os cegos para o que ela traz de melhor – potencial de crescimento. Essas diferentes vivências entre pais (medo) e adolescentes (desejo) dirigem seus comportamentos e interpretações dos acontecimentos de formas distintas, produzindo forças em vetores contrários. A situação, muitas vezes, não fica fácil pra nenhum dos dois lados. Os adolescentes não querem um relacionamento infeliz e destrutivo de adversários ou inimigos com os pais. Todavia, claramente os adolescentes que viam os pais como protetores e cuidadosos durante a infância, passam a enxergá-los como invasivos, desconfiados e controladores. Essa mudança é tão radical que os adolescentes não conseguem perceber aquilo que os pais desejam para eles; tendem a focalizar exclusivamente os aspectos negativos e restritivos de seus responsáveis. A questão que emerge é: como lidar com essas mudanças? A resposta é simples: mudando!
Até a infância, os pais vinham agindo como “gestores” na vida de seus filhos: marcavam o médico, planejavam as viagens e férias, definia horários de brincar, com quem brincar, escolhiam as roupas e supervisionavam a lição de casa. Os “gestores” estavam bem informados quanto a todos os aspectos da vida dos filhos e sempre eram os primeiros a serem procurados para orientações ou resoluções das grandes questões de suas vidas. A criança é como um passageiro de metrô ou um cavaleiro em um carrossel: basta sentar e curtir a viagem, com um caminho predefinido por outro, seguro e acolhedor. Diga-se de passagem, essa experiência de ser conduzido com segurança é de extrema importância para o desenvolvimento da criança em seu momento de muita dependência.
De repente, nada disso se aplica mais. Na adolescência os pais são demitidos de seu cargo e suas funções, muitas vezes sem aviso prévio. O desejo muda: o adolescente agora quer pegar seu skate e deslizar sobre a rua ou a pista com obstáculos diferentes e desafiadores, buscando seu próprio equilíbrio numa velocidade cada vez maior; surfar, pegar ondas cada vez mais altas que lhe permite a experiência do perigo, da coragem, da autoafirmação, cair, “levar um caldo”, recomeçar. É fácil perceber que não há lugar para um “gestor” nesse momento. Na medida em que o adolescente percebe que aquele papel dos responsáveis não lhe é mais útil, eles se concentram em se “libertar”, sem consideração de acordos possíveis. Os pais, nesse estágio, não são mais o foco dos elogios e da admiração de seus filhos, mas também não precisam se tornar bodes expiatórios. Há, contudo, um papel alternativo para os pais: “consultores”!
Se os pais ainda desejam ter uma influência significativa sobre a vida de seus adolescentes, eles precisam mudar seu papel de “gestores” para “consultores”. Como os pais passaram anos num único modo de funcionar é bem provável que não vêem razões para mudar, caindo no equívoco de se agarrarem nas funções antigas com mais força e intensidade agora. Tal situação é encarada com ressentimento e frequentemente traz resultados desastrosos. Outra saída com igual prejuízo é a reação oposta de tornarem-se passivos, abandonando qualquer possibilidade de ação. São os dois erros mais comuns dos pais de adolescentes: tratá-los como crianças (controlando-os), ou tratá-los como adultos (abandonando-os). Todavia, se os pais se colocarem no papel de conselheiros, poderão ser úteis e importantes para que o adolescente desenvolva sua responsabilidade (habilidade de responder por si mesmo).
Como um consultor, os pais dão opiniões e informações a respeito de decisões, quando são consultados. De outro modo, mantendo uma postura diretiva ou negligente, perderão seu “cliente”. A consultoria concentra-se em ajudar o seu adolescente a desenvolver e exercitar a habilidade de tomada de decisão. Nesse momento, os resultados são menos importantes do que o exercício dessa habilidade. Pois a adolescência é, em parte, um período de treinamento ativo em direção a vida adulta.
Por Henrique Aquino
psicoterapeuta