Ao nascer, a criança já conta com um nível de consciência inata que lhe possibilita sobreviver – é a consciência “sensorial”, que está ligada à necessidade de contato, dada a grande dependência física e psíquica do recém-nascido. Depois vem a consciência “individual”, que caracteriza o estágio da adolescência, quando se manifesta a necessidade vital de separação do indivíduo para continuar seu crescimento. No terceiro nível, tem-se a consciência “pessoal”, desejável entre os sujeitos adultos, juntamente com o despertar para a necessidade de re-união, ou seja, capacidade de admitir o próprio valor, sem por isto ter que negar ou se submeter ao valor dos outros. O desenvolvimento da consciência, portanto, vai desde a consciência sensorial (dependência), passando pela consciência individual (independência), até o alcance da consciência pessoal (re-união). Nesse sentido, podemos afirmar que todo voto é consciente, o que varia é o nível de consciência do indivíduo ao expressar sua intenção nas urnas.
No terceiro nível de consciência aprendemos a dizer “nós”, e a liberdade não é tanto uma luta como na adolescência, mas um processo pelo qual as liberdades individuais se convertem em uma liberdade comum, universal. Aqui, a pessoa busca soluções dos problemas sociais mantendo a liberdade de todos dentro do código do seu povo. Há um despertar para a realidade de que nós não somos independentes, mas, podemos e devemos ser autônomos. Se o cidadão alcançou a predominância do nível de consciência pessoal, então ele é capaz de traduzir seu voto em um ato, de fato, consciente e político. Aqui, o voto não é pela MINHA rua, MINHA estrada rural, MINHA empresa, MEUS funcionários, MINHA família, MEU futuro… Nesse nível, o voto, individual e secreto, se transforma em uma atitude coletiva e de inclusão das necessidades do outro e da cidade.
É bom lembrar que estamos em um momento político perigoso, em que a educação corre riscos de se tornar uma forma de obstrução do desenvolvimento ao nível de consciência pessoal. Testemunhamos medidas que desmerecem e visam cortar disciplinas importantes no Ensino Médio como a Filosofia, Arte, Sociologia e Educação Física. E por quê? Corte de gastos? Equívocos no planejamento? Falha no envio do relatório final?… Não! Trata-se de “investimento”, a médio e longo prazo, na alienação dos cidadãos. Lembrando Paulo Freire: “Seria uma atitude muito ingênua esperar que as classes dominantes desenvolvessem uma forma de educação que permitisse às classes dominadas perceberem as injustiças sociais de maneira crítica”.
A Sociologia nos importa para reconhecermos nossa condição humana, de seres sociais atravessados por diferentes forças e discursos opressores. Melhor então tirá-la do currículo. Arte? Não serve pra nada!
A Filosofia, que teria a função de ensinar-nos a pensar, refletir, questionar, duvidar… não é bem vinda num país governado por pessoas que visam a manutenção dos privilégios de uma minoria abastada, cuja marca da colonização ainda se mantém viva. A Educação Física torna-se completamente dispensável, pois o corpo vivo, expressivo, criador e dançante deve ser reprimido para se adequar ao trabalho, nos pequenos espaços entre as máquinas, o que contribui, por exemplo, para o aumento dos casos de Doenças Osteoarticulares Relacionadas ao Trabalho (DORT). Enquanto se formata o corpo na escola, se adestra a cabeça: treinada apenas para um sutil movimento vertical de conduzir o queixo no peito, ao mesmo tempo em que se pronuncia o mantra “sim senhor”. O português continua, e o analfabetismo funcional também. A matemática é importante, pois, no chão de fábrica, o peão precisa saber identificar o número do seu guarda-volumes.
Sem educação, não é possível construir uma nação unida, democrática e justa. Sem educação, só as “crianças” e “adolescentes” votam: A criança, pelo encantamento com o show pirotécnico dos manipuladores; o adolescente, focando suas necessidades imediatas e particulares. Pelo andar da charrete, parece que será cada vez mais difícil encontrarmos uma consciência pessoal de frente para as urnas, aquela capaz de, no momento do seu voto, sair de si de forma livre e autônoma, se re-unir ao coletivo, pensar no outro, na comunidade e… “confirmar”.
Henrique Aquino
Psicoterapeuta