A metamorfose de Julia

16 de setembro de 2020 10:44 496

Acordei cabisbaixa, fiz uma xícara de café e tomei observando os felizes rapazes da construção ao lado.  Dei o último gole e sai.

Trabalho numa academia de ginástica e confesso que, às vezes, me sinto frustrada em conviver com mulheres de corpos esculturais, sendo que sempre estou acima do peso e sem ânimo para mudar.

Entrou na academia um simpático rapaz, Rodrigo, novo aluno. No final do treino encostou na recepção:

– Oi, Julia. – disse sorridente.

– Gostou da aula? – perguntei distraída.

– Sim, professores atenciosos, além da bela simpática recepcionista. Boa noite!

– Obrigada! – pensei: Em breve, entrará sem nem olhar na minha cara, simpatia de primeiro dia.

No entanto, diariamente encostava no balcão para conversarmos.

– Gostei do batom hoje, a cor realçou seus lábios. – me elogiou.

– Bom saber. – sorri encabulada.

Numa noite me convidou para um sorvete, que rendeu ótimo papo e boas risadas, toques de mãos e olhares sedutores.  Na despedida, me beijou revelando seu interesse.

– Te desejei assim que a vi. – confessou.

– Mesmo eu sendo, assim, gordinha?

– Você é linda e atraente, não se menospreze.

Fiquei em êxtase, com borboletas no meu estômago.

O tempo passou e a paixão só crescia. Após um ano de ótimo convívio planejamos o casamento. Empolgada, decidi fazer dieta para surpreender no grande dia. Uma decisão solitária, pois Rodrigo discordava. Ele não queria que eu mudasse nada, me amava como era, mas continuei.

Havia perdido alguns quilos e Rodrigo questionou, aleguei ansiedade por conta do casamento, não assumi a dieta. Ele viajaria a trabalho, ficaria longe por algumas semanas, então, pediu que me cuidasse e controlasse a ansiedade. Feliz com o que eu alcançava, não tencionava parar.

Com a dieta e exercícios emagreci bastante, a minha autoestima estava ótima. Estava feliz com o retorno do Rodrigo.

– Que saudade eu senti! – beijei-o

Ele deslizou as mãos em meu corpo e ficou surpreso.

– Está bem mais magra! – exclamou admirado.

Naquele dia meu noivo não conseguiu me encher de amor, sentia dor de cabeça, devido a cansativa viagem, decidiu ir embora.

Se pudéssemos prever o futuro evitaríamos o que nos fere.

Determinada, peguei mais firme na academia, enquanto Rodrigo trancou a matrícula alegando falta de tempo. Neste ínterim, nos víamos pouco e eu sentia a falta dele. Porém, foquei no meu corpo, afinal logo nos casaríamos.

A semana passou, nos encontramos no sábado. Beijei meu amado que me olhando dos pés à cabeça comentou: Ainda mais magra!?

Almoçamos com a família e Rodrigo me levou embora se despedindo no portão.

– Não vai descer? – indaguei.

– Amor tenho que trabalhar e vou acordar cedo, inclusive não nos veremos amanhã, por isso.

– Entendo que esteja dedicado ao trabalho, mas sinto falta de você e dos seus carinhos… – sem se comover, beijou-me e partiu.

Durante a semana nos falamos pouco; ele ocupadíssimo e eu dedicada aos exercícios e dieta.

E mais um final de semana chegou…

Escovei o cabelo, coloquei um vestido justo, o batom que ele gosta e o arrastei até o quarto, enquanto ele tentava me impedir. Então, dei o xeque-mate, sobre a frieza dos últimos tempos.

– Qual é o seu problema? – perguntei indignada.

Rodrigo não titubeou em me confessar:

– Desculpa, o meu amor esfriou, não reconheço em você a mulher por quem me apaixonei. Eu avisei que a amava exatamente como era, não gosto de mulher magra. Fui completamente apaixonado pela pessoa que conheci na recepção da academia, pelo o olhar doce e até meio triste que hoje não vejo mais. Sinto muito, você fez sua escolha ao se preocupar tanto com a aparência.

– Eu apenas aprendi a me amar. Tá certo da sua decisão, Rodrigo? – implorei.

– Amou mais a você que a mim. Estou certo sim, Julia. – enfatizou.

Ao final da conversa, ajeitei o vestido, acompanhei-o até a porta.

– Adeus! – fechei a porta aos prantos.

Depois de um tempo, enxuguei as lágrimas, fui ao banheiro, retoquei o batom e chamei um taxi.

– Boa noite! O senhor sabe de alguma festa legal na cidade hoje?

– Sim, eu sei. – disse o motorista.

–  É lá o meu destino, por favor.

– Como quiser. – e o motorista dirigiu até a festa.

por Jeane Lima – escritora

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