Cumpadi, mas que festa bunita essa que nóis vem aqui no largo da igreja todo ano, né mesmo? Ô, cumpadi, sagrada e bunita por demais. Se é, eu todo ano dou a minha galinha ou meu galo de 
estimação pro santo, pra mode ser abençoado e agraciado por essa força, além de ajudar a igreja com um dinheirinho. Ah, cumpadi, eu também, um ano eu dou um galo, noutro ano é um bezerro ou um leitão… deixo passar não. Ah sim, isso é animal de mais valor. É, mas cada um dá o que pode, Deus num bota reparo no valor de dinheiro que os bicho tem pra gente não. Ele é sabido de nascença, desde a manjedoura no meio dos bicho, como ensina os presépio. É sim, dali já mandava a mensagem pra gente aprender a respeitar os animal, tratar com carinho, sem mardade, oiá pra eles não como gente, mas como criatura do criador, como tudo o mais na natureza.
Oia lá cumpadi, começou o leilão. É mesmo, espia lá minha galinha. Cumpadi, que bitela de ave! Como se diz, dá pra família comer feito padre! É, mas me dá um troço ruim de ver a bichinha sendo pega na bruta e depois pendurada de cabeça pra baixo pra mostrar pro povo… sem contar que ela fica um tempão nesse pinteiro apertado e quente, espremida com as outra. Verdade ó, o trem é tão abarrotado de frango que, ano passado, meu neto viu isso e me perguntou se existia galinha de dois andar porque umas trepava nas outras pra desafogar o chão, cê acredita? Mas num aperreia com isso não, ocê deve ta com dó por ter posto amor nela antes… Pois é cumpadi, ela aninhava no meu colo e no das criança, tadinha. Ta, mas pensa assim ó: cê deu ela pro santo, o dinheiro vai pra igreja, que ajuda os pobre na fazeção das caridade importante. É, às veiz cê tem razão, mas é que judia demais… Esquenta cabeça não, é coisa rápida, já já eles arrematam ela e mete ela no saco amarrado e… Ô cumpadi, vamo sair daqui, vamo? Vamo comer alguma coisa que hoje eu mais a muié e os menino vai merendar um trem diferente por aqui mesmo.
Borá ali vê a belezura do garrote que eu trouxe… no canto de lá, com a cabeça erguida pelo laço. Mas é uma formosura de animal mesmo, eim! Era, agora tá todo sujo de tanto pisotearem nele… vão rodar com ele feito peão na mão de menino pro povão apreciá a rês. Fico triste que tão judiando do bichinho com aquela corda torando o pescoço… tá berrando com a língua pra fora… É, mas ele tá apanhando porque tá dando um trabalhão danado também, né?!… coisa de bicho brabo e arredio. Ocê tá doido, homi? Oia se precisa judiá daquele jeito? Ocê lembra uns ano atrás quando a vaca atropelou o cumpadi aqui na rua? Pois é, ela disparou a correr porque o camarada tinha mordido o rabo dela, que nem um perdigueiro… E o povo em volta num fala nada!… Ah cumpadi, esse bezerro comia na minha mão, eu alisava o pelo dele, chamava pelo nome e batia no cocho pra ele descer ligeiro pra lamber farelo! Ô, cumpadi, deve ser o estreis que o bicho passa… entra num caminhão, aquele treinzão cheirando sangue, viaja, estranha… os animar fica doido, sente o cheiro do ferrão da morte!
Pois é, em cinco minuto ali ele já apanhou mais do que vaca na horta… Carece de preocupar não, cumpadi, bicho grande assim num sente dor não… meu avô capava cavalo sem anestesia, meu tio mochava os torinho com canivete e ferro quente, meu pai passava bosta verde nas ferida pro bicho num lambe o remédio e… nunca teve pobrema nenhum. Vi isso desde que nasci, ninguém nunca esquentou a cabeça com isso. Eu acho que bicho grande deve de não sentir dor, se sente é pouca porque eles são forte.
Ah cumpadi, num tem pra quê essa brutalidade toda não, ainda mais uns bicho que vão pro santo. Num é que é… eles vem da graça, nóis meio que devolve ele pro santo, mas antes põe eles num purgatório desregrado na terra, sem precisão… até parece que o flagelo faz parte do ritual da oferenda. É verdade, enquanto uns bicho homi rasga o pai nosso lá dentro da igreja, os irmão rasga o couro dos bicho cá fora… Nem me fala, Deus tem misericórdia de nóis! Tomara, porque essas janelas aqui da igreja são os zoião dele mirando a gente… vê tudo, e principalmente a lida com os animal, a natureza… haja misericórdia! É, cumpadi… dos filho tudo de Deus, os único que magoa e ofende a natureza é o bicho homi, em nome do pai, do dinheiro, da crueldade gratuita… ah ném!
Henrique Aquino -psicoterapeuta
