Séculos de celebrações por diferentes motivos, somadas às nossas várias idiossincrasias regionais, muita música, dança, comida, tudo, tudinho batido no liquidificador cultural do Brasil resulta em mais uma expressão singularíssima: a festa junina! AH, o famoso mei do ano, início do solstício de inverno, traz consigo o frio, os caldos deliciosos e os divinos seres homenageados: São João, São Pedro, Santo Antônio. Este consagrado pelo povo como entidade casamenteira par excellence; desgosto para alguns, alento para outros. Aliás, utilizo o gancho a fim de narrar o caso de Maria das Dores.
A mulher, com o premente afã de descolar um marido, se esforçava como podia: orava de joelhos sobre o milho, empreendia simpatias sortidas, fazia promessas mirabolantes. E necas! O santo conjugal lhe negava a graça. Bem, talvez seja apropriado confessar que a devota – hum, hum – gozava da beleza de uma topada de mindinho na quina da cama. Se os espelhos falassem, teriam pedido demissão, pois seu queixo sempre chegava antes do nariz; os olhos esbugalhados de coruja faziam o grosso das mulheres serem gratas pelos atributos que Deus lhes havia dado em detrimento do incompreensível ódio com o qual moldou o rosto da pobre Maria. Ainda assim, sem jamais perder a fé, ela (lacinho na cabeça, maquiagem na cara) comparecia todo ano à festa junina para honrar o santo com seu fervor.
No festim do ano passado, a fogueira queimava, a sanfona gemia e o quentão… PUTZ, o quentão! Dona Nair, responsável pelo néctar rural, havia “reforçado a receita”: cada copo era um photoshop líquido! Maria, que sempre fora tímida — no sentido de só falar com humanos apenas no confessionário — emborcou três deles e, num passe de mágica, ou melhor, feito um milagre, sentiu-se aceitável. Não bonita, claro; apenas, menos horrenda. Logo, arrebatada pelo fogo alcoólico, levantou sua saia e se lançou na quadrilha.
Nas adjacências da área de dança, nosso guerreiro acabava de finalizar uma cumbucona de canjica, após ter carregado a nave com oito copos de quentão. Raimundo da farmácia, sujeito carnudo, alto, nota 6,5, fixava sua presa, embora uma miopia severa lhe proporcionasse, ainda, certas distorções. Movido por um duplo impulso – o primeiro da carne e o segundo uma mágoa ressentida (fora contemplado com um pé na bunda pela antiga noiva), esticou os brações, puxou Maria e disse: “Cê dança?” Espantada, ela se limitou a menear afirmativamente a cabeça. Juntos, os dois corpos revelavam que talvez a beleza fosse uma questão de ponto de vista… ou de ponto de ebulição etílica. A plateia, vendo o improvável casal no balancê, cochichava, desacreditava, ria. Dênis, um amigo de Raimundo chegou a acenar em protesto. Nisso os pombinhos dançantes se entreolharam e ZAZ! Beijaram-se ali mesmo, diante de todos, debaixo das bandeirinhas.
OK e depois? Deve estar o leitor a matutar, roendo uma paçoca. Obviamente, passado um tiquinho do torpor da cachaça, Raimundo voltou mais ou menos a si e tomou consciência da asneira que fazia. Não teve outra: deu no pé. Mas que vocês se tranquilizem, esta história não é sobre amor. É sobre perseverança…
Maxmiller Hubner