Bicentenário da Independência, o que mudou, de fato, na construção dessa nova nação?

12 de setembro de 2022 10:47 391

Nos últimos dias várias notícias circularam nos jornais sobre as comemorações do Bicentenário da Independência do Brasil, até o coração de Dom Pedro I veio parar aqui, há 200 anos o Brasil quebrava mais de 300 anos de domínio português e se tornava um país autônomo e soberano, mas o que torna a independência do Brasil diferente das demais colônias das Américas e o que muda, de fato, na construção dessa nova nação?
Quando falamos do processo de independência das colônias da América, precisamos ressaltar a importância do movimento intelectual nascido no século XVIII, o iluminismo, pela primeira vez o antigo regime era contestado, por filósofos como Montesquieu, que defendia a criação dos três poderes, como uma forma de controlar o poder da monarquia e impedir abusos. Essa defesa por igualdade de direitos entre os seres humanos influenciou várias revoltas pelo mundo, como a mais importante delas, a Revolução Francesa e a Revolução Americana, que acarretou na Independência das Treze Colônias. Mas também precisamos destacar a Revolução Haitiana e a Independência da América Espanhola, contemporânea a nossa, porém liderada por uma elite ilustrada, que intensificaram as lutas contra o pacto colonial e conseguiram sua independência, formando vários de nossos países vizinhos.
Aqui, no Brasil, o pensamento iluminista influenciou duas conjurações, a Mineira e a Baiana, ambas no final do século XVIII, e que tinham em comum o objetivo separatista, ou seja, não havia, ainda, um sentimento de unidade nacional.


A grande mudança ocorreu, no Brasil, com a transferência da corte portuguesa, em 1808, após a descumprimento com o Bloqueio Continental e o eminente risco da invasão das potentes tropas napoleônicas, que provocaram a fuga organizada da família real e sua corte para o Brasil. Nessa época, quem governava Portugal era o Príncipe Regente D. João VI, já que sua mãe estava incapacitada mentalmente para isso. Assim que chegou ao Rio de Janeiro, D. João tratou de fazer mudanças significativas na política, na economia, na administração, urbanização, sociedade e cultura brasileira. A primeira grande medida foi a Abertura dos Portos, o que de imediato significou a quebra com o Pacto Colonial, a partir de então o Brasil alcançava uma autonomia econômica sem precedentes. Aos poucos o Brasil ocupava um espaço importante, as decisões da metrópole agora eram decididas aqui, de colônia o Brasil passa a sede da monarquia portuguesa.


Em 1815, com a derrota napoleônica na Europa, fica determinado, no Congresso de Viena, o retorno das monarquias destituídas durante o período napoleônico, assim sendo, D. João VI, que tinha intenções claras de permanecer no Brasil, tem uma saída, promover o Brasil à categoria de Reino Unido a Portugal e Algarves, colocando um fim definitivo ao status de colônia.
Porém, essa relação romântica é estremecida com a Revolução Pernambucana, movimento separatista de 1817. Em 1820 eclode em Portugal a Revolução Liberal do Porto, que exige o retorno imediato de D. João VI, agora rei de Portugal, pressionado, ele deixa no governo brasileiro seu filho, Pedro de Alcântara. A partir daí Portugal assume uma postura de retomada de poder do Brasil, desfazendo acordos e impondo limitações econômicas e políticas, essas medidas desgastaram a relação com Pedro de Alcantara, que pressionado pela elite brasileira se via em uma situação difícil. Percebendo a intenção de uma possível independência, a corte portuguesa exige o retorno de Pedro de Alcântara para Portugal, que anuncia sua permanência no que ficou conhecido como “Dia do Fico”. A circunstância fica deteriorada, correndo o risco de uma sanção portuguesa e pressionado pelas elites brasileiras, Pedro de Alcântara rompe com Portugal e no dia 07 de setembro de 1822 proclama a independência do Brasil. O reconhecimento oficial, por parte de Portugal, só veio anos depois com uma indenização de 2 milhões de libras esterlinas, que causou um grande endividamento brasileiro, que recorreu à Inglaterra para apurar esse dinheiro.
Como podemos observar, o processo que levou o Brasil a independência, foi um processo singular, o Brasil foi o único país da América do Sul a se tornar uma monarquia após a independência, as elites se aproximaram de D. Pedro para evitar a participação popular e garantir seus privilégios, o Brasil que nasceu da independência era um país monárquico e escravista. Durante seu governo, o agora D. Pedro I, lançou-se do poder moderador, mantendo o absolutismo, ele dissolveu a assembleia constituinte de 1823 e encomendou um novo projeto constitucional. A primeira constituição do Brasil conciliava interesses da elite com o autoritarismo do imperador.

O que podemos concluir, é que, a independência do Brasil não significou uma ruptura com as antigas estruturas do Brasil colônia, mas sim, uma permanência. A escravidão, por exemplo, permaneceu oficialmente até 1888, e após isso, os negros escravizados não tiveram uma real inserção na sociedade. As elites agrárias continuaram influenciando o governo brasileiro durante o primeiro reinado, o período regencial e o segundo reinado, até que se consolidaram no poder após a Proclamação da República, no período oligárquico.
Entender nossa história é compreender as raízes de desigualdade, que ainda prevalecem no Brasil, uma estrutura baseada nos privilégios de uma pequena elite, pautadas em uma política corrupta que atende interesses próprios. É importante, em tempos de comemoração, nos orgulharmos da nossa história, mas com o devido conhecimento histórico. Quando o Brasil se tornou uma república, em 1889, foi importante criar uma história que provocasse identificação na população brasileira, que fizesse nascer o sentimento de nacionalismo e patriotismo, nesse momento, figuras como Tiradentes são resgatadas, para dar força à essa narrativa, no entanto, antigos sujeitos históricos continuaram a margem dessa história, como os indígenas e os negros escravizados.
Hoje, numa nova perspectiva historiográfica, esses sujeitos são trazidos ao centro dessas discussões para dar voz aos que por muito tempo, e ainda hoje, são silenciados. Que sejamos verdadeiros patriotas, que lutam por um país mais justo e por transformações reais em nossa sociedade.


Francyane Kristinny Lehmkuhl Fiocca
Professor de História
Pós Graduada em Metodologia do Ensino da História

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