Bruno Costa – Ser livre no palco da vida

23 de março de 2022 9:53 564

Bruno Henrique Costa nasceu em Perdões no dia 17 de dezembro de 1992. Filho de Márcio Otaviano da Costa (in memorian) e Celeste Aparecida Costa; neto da Marlene e Argemiro, Lusia e Moacir.
Bruno Costa é bacharel em Teatro pela Universidade Federal de São João del Rei, professor de arte no Núcleo de Aprendizagem Integral, professor de teatro da APAE Perdões e articulador regional de artes das APAES. É membro do Observatório de Políticas Públicas da UFLA e pesquisador de cultura e território. Fundador e gestor cultural da instituição Ponto de Cultura Mundo Cênico. E Conselheiro Estadual de Política Cultural em Minas Gerais.
A entrevista foi em uma das salas da sua confortável casa. Ao seu lado um baú com histórias marcantes no tempo e no espaço.

Aniversário de um ano no colo da sua mãe

Jornal VOZ: O Jornal VOZ, a Regina o conheceram fazendo teatro na igreja. Fale sobre as escolas que você estudou e quando iniciou com o teatro?
Bruno Costa: A minha memória mais antiga relacionada ao teatro foi no meu aniversário de um ano e minha mãe me fantasiou de palhaço. Ela não imaginava o que tudo isso se tornaria – que o nariz vermelho nunca sairia do meu rosto. Eu me lembro desse registro a partir da foto.
Lembro que comecei a fazer teatro com a professora Dulce Helena na Escola Padre Pedro Machado e lá fiz o Rapto da Cebolinha (Maria Clara Machado) e aí eu tive encantamento tão grande que eu falo que “o bichinho do teatro me mordeu nesse momento” e nunca mais me abandonou. Saí do Padre Pedro e fui para a Escola João Melo – o Tião Hélio que era o diretor, ele me acolheu de tal forma de incentivo, que a escola virou um espaço como se fosse o quintal da minha casa.
Na minha infância eu sempre brinquei de coisas que eu assistia – se eu ia na Semana Santa, queria fazer a Semana Santa na minha casa, se eu ia no circo, eu queria fazer um circo na minha casa. Eu fazia circo com lençóis velhos da minha mãe – morava na Rua Governador Valadares, comprava cartolina e escrevia que tinha espetáculo, colava na parede da minha casa do lado de fora. Lembro com muito carinho do Nuto (in memorian) – dono do bar que sempre me perguntava se tinha espetáculo.
Na Escola João Melo tive incentivo dos professores. Eu era um aluno que quase não ficava na sala de aula – ficava fora criando as coisas.
Paralelo ao João Melo, eu fui para a Igreja e lá eu vi um espaço para eu praticar o teatro. Uma das coisas que mais me manteve na igreja foi o teatro – e encontrar outros jovens que estavam dispostos a fazer junto comigo. Logo virei o coordenador do ministério de teatro dentro da igreja. Foi minha primeira responsabilidade social que tive, graças a Rose Inocêncio que era a coordenadora de Artes e me achou capaz de fazer isso. Isso foi por volta de 2007.
Criei a via sacra encenada e acho maravilhoso porque os meninos deram continuidade. Por muitos anos eu fui o “Cristo” dessas apresentações. Era maravilhoso, tudo muito simples, nada com o rigor técnico que tenho hoje.
E como eu queria aprofundar em teatro e aqui em Perdões não tinha essa oportunidade, até que então surgiu a Tetê – uma atriz que dava aula de teatro no NAI e aí eu mesmo fui lá na Jô, conversei com ela (lembro que eu tinha uns 15 anos) e ela me deu uma bolsa de estudos de 50%. Lembro que voltei para casa e chorei muito. Custou os meus pais aprovarem, porque não tínhamos essa condição para pagar as contas.
Aí entrei na escola e infelizmente duas semanas depois a Tetê veio a falecer. Não cheguei a ter nenhuma aula com ela.
Os meninos estavam montando uma peça com ela e com seu falecimento, eu dei continuidade aos ensaios. Inclusive o filho da Tetê, o Vinícius, fazia parte dessa montagem. Estreamos a peça em homenagem a ela – “O Alienista” de Machado de Assis. Concluí o ano aos trancos e barrancos, porque o que eu queria mesmo era o teatro – eu não era bom nas outras disciplinas. Voltei para a escola João Melo e quando surgiu o curso de teatro da Prefeitura fui fazer.
Sempre fui líder e tive problemas por causa da minha liderança e o Tião Hélio reconheceu isso em mim, muito novo. Tempos depois fui visitá-lo e falei para ele que tinha nele uma figura paternal na minha vida, por ser filho de pais separados e eu tinha pouco contato com a figura masculina. Eu falava com ele e ele me ouvia.
Trabalhei pouco tempo na Casa da Vaca e lembro que no meu último ano organizei a formatura do João Melo, fiz um carnezinho, distribuí para os alunos e estes pagavam dez reais por mês. Aluguei o Comemorare – todo mundo de gravata, terno. Teve baile – convites maravilhosos.
E paralelo que entrei na Casa da Vaca, surgiu a gincana do João Melo.
Era um momento que eu tinha para me expressar e assim trabalhei lá só uma semana.
No final do ano fiz o vestibular e passei.

Jornal VOZ: Em que ano fez vestibular? E qual Universidade?
Bruno Costa: Em 2010 em São João Del Rei.

Jornal VOZ: Antes de iniciarmos essa entrevista gravada, você comentou que lembra nitidamente, ficou marcado na memória a primeira vez indo sozinho de ônibus a outra cidade.
Bruno Costa: Eu lembro de uma disciplina que eu tinha na faculdade – ‘O teatro autobiográfico’ e a professora fez uma pergunta para nós – ‘Qual o exato momento que você cresceu?” O momento que eu cresci foi quando eu estava dentro de um ônibus circular lá na cidade de São João del Rei e eu me vi sozinho dentro dessa circular. Minha mãe me levou para morar lá. Ela se despediu, voltou para Perdões e eu tive que pegar o circular do bairro que eu morava até o Centro para poder almoçar e nesse trajeto eu via as pessoas passando pela roleta, as pessoas movimentando a cidade com seus universos diferentes. Vi que agora estava sozinho e precisava reagir – dar conta de mim mesmo. Foi um rompimento – saí de uma cidade e fui morar em outra cidade muito maior do que a minha, com dimensões que eu ainda não conhecia, mas o que me deu força foi encontrar colegas na mesma situação que eu.

Jornal VOZ: Você iniciou o curso e durante esse período você ficou exclusivo nos estudos ou você tinha alguma outra atividade paralela?
Bruno Costa: Como lhe falei, sempre fui líder e lá na faculdade também. O meu ponto forte de tudo é que sempre fui de ter os meus próprios projetos. Então durante todo o curso na faculdade, os professores tinham os projetos, mas o Bruno também tinha os seus projetos. Aí eu reunia os meus colegas para fazer parte dos meus projetos. Tive muitos grupos. Assim que iniciei na faculdade fui chamado para participar de um Coletivo – uma Companhia de Teatro que já existia. Foi meu primeiro espetáculo profissional no Teatro Municipal de São João del Rei.
E minha mãe foi ao teatro pela primeira vez, assistindo o espetáculo com todas as luzes, iluminação e ficou encantada. E foi a primeira vez que ganhei meu dinheiro com a bilheteria do espetáculo.
Não tenho nenhuma referência no caminho da arte na família. Acho que a arte em mim é algo divino.
Também um café da cidade me convidou para fazer umas fotos em outdoor e toda a magia que envolve essa profissão.
Fui me envolvendo com outros Grupos de teatro e fui percebendo que tinha uma facilidade com figurino. Fiz iniciação científica na área de figurino, participei de vários congressos em outros estados, falando sobre a memória da roupa. Para um jovem eu vivi muito…
Assim, fui figurinista de vários Grupos, fui convidado a ser jurado de vários festivais em Araguari, Ubá, Conselheiro Lafaiete. Enfim participei de muita coisa na área de figurino, mas depois me encantei pela direção, porque eu poderia colocar em prática tudo aquilo que estava na minha cabeça.
Lembrando aqui sobre minha infância: eu tinha um programa de televisão, montei um cenário no meu quarto e lá apresentava meus programas.
Aí a empregada da vizinha, enquanto limpava, ela ouvia os meus programas.
Aí que eu fazia mesmo. Todo dia 9 horas da manhã, apresentava esse programa.
Então meu imaginário sempre foi muito grande.
Fiz muitas curta metragem – bem organizado, dava certificado para os colegas do mesmo período que participavam. Havia um envolvimento dos professores.
Antes de sair de Perdões para estudar no meu último ano aqui, realizei um filme com o Amaury, chamei meus colegas do curso que estava fazendo na Prefeitura. Fui na Márcia Noivas e ela me cedeu as roupas e fizemos o filme “Romeu e Julieta”.
E antes de eu ir pra São João del Rei conheci uma pessoa pelo Orkut, mais velha do que eu e ficamos amigos porque falávamos de teatro e ela estava saindo de uma depressão, eu dava muita atenção.
Anos depois essa pessoa tornou-se diretora de uma emissora de TV, Rede Brasil de Televisão e aí quando o Papa viria ao Brasil, eles estavam procurando jovens que pudessem cobrir isso. Fiz a inscrição, fui para São Paulo. Fiz o teste, passei e depois fui para gravar o programa. Fui âncora do programa – Vida Show – gravava no estúdio.
Quando estava em São João, já terminando a faculdade, conheci o Jota Dângelo, um dos maiores teatrólogos de Minas Gerais. Tivemos uma identificação muito grande e ele é presidente de uma fundação lá de SJDR, que é afiliada a TV Rede Minas. Ele me convidou para participar de uma montagem dele, mas não continuou por causa da idade e estava muito cansado. Assim ele me convidou para trabalhar na tv. Entrei como diretor de imagem, depois assumi o Programa – reformulei todo o programa de entrevistas, inclusive convidei a Tássia aqui de Perdões. Depois fui transferido para ser diretor do departamento de publicidade.
Essa rotina de uma TV foi me cansando. Eu era um funcionário de carteira assinada, mas no final do ano resolvi não ficar (2016).
Voltei para Perdões em dezembro de 2016, vim com a ideia de ser temporário.
2017 foi um ano bastante derradeiro. Fiz planos para ir para São Paulo e para o Rio, não fui.
Em Perdões já não tinha os mesmos contatos, até que fui chamado para ser jurado numa gincana do NAI e aí a Jô perguntou se eu tinha voltado para Perdões. Ela pediu que eu a procurasse quando virasse o ano para conversar. Em janeiro ela me convidou para ser professor da escola.
A Jô me acolheu em dois momentos muito importantes da minha vida.

Jornal VOZ: A sua organização é da sua personalidade ou veio a partir da formação universitária?
Bruno Costa: É da minha personalidade principalmente. Acho que a minha organização tem haver com a estética, com o visual. Eu tenho caderno para tudo. Tenho facilidade de realização. Não apenas sonho. Realizo e uso ferramentas, métodos para isso.

Jornal VOZ – Como surgiu a ideia da Associação Mundo Cênico?
Bruno Costa: Na escola eu ia dar aula de arte e fora daquele horário o que ia fazer?
Aí pensei em abrir um Grupo. Então procurei o Jornal VOZ, foi o primeiro apoio que eu tive na formação desse Grupo. Vocês deram o apoio da divulgação.
Fizemos a divulgação, apareceram uns jovens querendo fazer e eu precisava de um espaço.
Lembrei que quando eu era líder no ministério da Igreja, ensaiava lá na APAE. Fui lá atrás da Tamara, eu não a conhecia e pedi o espaço da APAE para poder ensaiar. E ela me propôs que me ajudaria desde que eu ajudasse como voluntário da APAE. Concordei. As coisas foram muito fluidas.
E como eu queria uma coisa profissional, precisava formalizar, ou seja, criar uma Associação.
Fui convidado para ser jurado na Igreja Batista e nela reencontrei a Adalgiza (foi minha professora) e conheci o Rodrigo que era vereador (até então eu não sabia). Assim pensei: tenho apoio do Jornal – a mídia é essencial, tenho apoio de um vereador da cidade e uma professora querida, então vou fazer uma Associação e assim trouxemos alguns amigos deles para o projeto e fundamos a Associação. Paralelo a isso eu estava dando aula na APAE e haveria um festival, montei o espetáculo para os meninos. Após o espetáculo procurei a Tamara para dizer que eu não iria continuar por causa da Mundo Cênico que estava surgindo e eu estava muito envolvido.
A Tamara queria que eu continuasse e me contratou e sou professor até hoje. Assim estou no quinto ano na APAE e no quinto ano no NAI – duas instituições que me abraçaram.
A Tamara me convidou para ser também o articulador regional de artes das APAEs.
O Mundo Cênico foi uma sucessão de eventos e atividades que foram dando certo e sabe quando a gente vai puxando o fio, Regina?Fomos de degrau por degrau – uma ação foi chamando outra ação.
O sucesso do Mundo Cênico é um trabalho diário.

Jornal VOZ: Mensagem final
Bruno Costa: Eu acredito muito na prosperidade de Perdões. E o que eu faço é só o que eu sei fazer. Quero fazer parte de uma geração que vai mostrar o quanto essa cidade é bela e rica. Porque se fosse possível medir a beleza de uma cidade deveria ser feito pela sua diversidade cultural.

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