Quando 2020 começou ninguém imaginava que o novo ano traria com ele uma crise global, sem precedentes, que afetaria a saúde, a economia e o convívio social em todo o mundo.
Na área educacional não é diferente. Segundo o monitoramento da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO), mais de 1,5 bilhão de alunos e 60,3 milhões de professores de 165 países foram afetados com a suspensão das aulas e o fechamento das escolas e universidades. Formas alternativas vem sendo pensadas e aplicadas para manter o processo de ensino-aprendizagem durante a quarentena que busca impedir a disseminação do novo Coronavírus.
Em Minas Gerais, a Secretaria de Estado de Educação determinou que as aulas das escolas estaduais e municipais deveriam acontecer de forma remota a partir de 18 de maio. No entanto, embora a estratégia adotada busque impedir que alunos fiquem ainda mais distantes do processo educacional, problemáticas como acesso limitado ou inexistente de internet, falta de computadores, professores despreparados para esta modalidade e falta de escolaridade dos responsáveis pelos alunos, escancaram o problema da desigualdade social que afeta diretamente a educação no Brasil.
Luciene de Jesus Borges, pedagoga e pós-graduada em Administração Escolar e Gestão do Trabalho Pedagógico, leciona há 22 anos e conta que a situação é inédita e desafiadora. Atualmente, a professora tem duas turmas, sendo um 4º ano do fundamental, com 24 alunos e uma da educação infantil, com 15 anos.
Para ela, embora as aulas online sejam a única opção viável neste momento, a modalidade traz várias problemáticas.
“As aulas online foram o único meio possível de fazer com que as crianças não perdessem o contato com professores e não se distanciassem mais ainda dos estudos. Ou era isso ou não teríamos nada, então, entre o pouco e o nada, é melhor termos um pouco. No entanto, me preocupa o fato de nós da escola pública a nível Brasil não estarmos preparados para isso”, diz.
E complementa:
“Se fossem atividades online complementares passadas ao longo do ano para a criança ir se acostumando seria uma coisa, agora aulas online de uma hora para outra para crianças que muitas vezes nem computador tem em casa é muito complicado”.
A preocupação de Luciene faz todo o sentido, pois, de acordo com O IBGE, apenas 57% da população brasileira tem acesso a computadores e 97% dos brasileiros acessam a internet pelo celular. Portanto, muitas crianças da chamada geração Z nunca se quer ligaram um computador.
“Me preocupa essa falta de atendimento na totalidade das crianças, porque a equidade não está existindo e quando estas crianças voltarem para a escola vai ter aumentado e muito a diferença de aprendizagem entre elas”, explica Luciene.
Outra professora da rede municipal de Cana Verde, Veridiana Barbosa, que possui mais de 30 anos de profissão, também afirma que entre as maiores dificuldades desta modalidade está o fato de que nem todas as crianças conseguem acompanhar as aulas.
“Aproximadamente 50% da minha turma são alunos da zona rural que não tem acesso à internet, o que dificulta tudo”, diz Vera.
Apesar das dificuldades, as professoras contam que têm feito o melhor para desenvolver as aulas da melhor forma possível. Inclusive, o corpo docente tem trabalhado quase que initerruptamente para se adaptar às aulas online, como conta Luciene.
“Minha vida mudou completamente! Antes, acordava, ia para a escola e lecionava as aulas. Agora, acordo, ligo o computador e começo tudo de forma diferente. O intervalo é aqui em casa mesmo e uso esse tempo para preparar outra aula. Estamos vivendo integralmente estas aulas online”.
E finaliza:
“Mas, as dificuldades não fazem com que a gente deixe de passar para os alunos o melhor que conseguimos. Estamos todos empenhados em fazer o melhor. Falamos para os pais que estamos trilhando um novo caminho, um caminho totalmente diferente e desconhecido. Propomos a eles, trilhar este caminho juntos”.
Silmar Ap. da Silva Correa, que é diretora da Escola Municipal Waldivino José Freire, em Cana Verde, e possui mais de 25 anos de serviço na rede pública municipal e 18 anos na rede estadual, conta que tudo é muito novo, tanto para professores, quanto para a dinâmica familiar entre pais e filhos.
“Como educadores, sabíamos que estaríamos sujeitos a nos reinventar a cada dia. Este momento não é diferente, estamos mais uma vez nos reinventando e aprendendo a aprender, de coração e mente abertos”, diz.
A diretora ressalta que a falta de recursos tecnológicos para atender a todos e o curto espaço de tempo para a preparação dos envolvidos são as maiores problemáticas, mas reforça o quanto o esforço de toda a equipe tem sido fundamental neste momento.
“Todos estão se esforçando e se dedicando incansavelmente para atender o aluno, dentro da possibilidade de cada um. Agradeço e parabenizo toda a equipe pedagógica e professores que não estão medindo esforços, inclusive extrapolando horário de trabalho para oferecer o melhor. Acredito que tudo dará certo e com fé em Deus logo voltaremos a rotina escolar”, finaliza.
Não é apenas a educação básica que tem se adaptado as aulas online. O cursinho comunitário da cidade, que prepara os jovens do ensino médio para vestibulares, também começou a oferecer esta modalidade de aula para que os alunos não percam o ano. Sávio Garcia, professor de matemática e química do cursinho, explica que a falta de acesso aos recursos tecnológicos é o maior entrave para as aulas.
“O problema geral para estudantes de escolas públicas é comum também para nossos alunos: a falta de recursos para acompanhar as aulas! Nossa maior preocupação é justamente o acesso restrito de internet, computadores, celulares e até mesmo um local adequado para estudar”, diz.
O QUE PENSAM PAIS E ALUNOS
Como ressaltado pelo corpo docente, não são apenas eles, os professores, que precisaram se adaptar a este universo de aulas online, para os pais e alunos que tem acesso às aulas também tem sido um desafio.
Rafaela Ventura Egídio, mãe do Nicolas de 10 anos, aluno do 5º ano do ensino fundamenta, e do Yuri, de 08 anos, matriculado no 3º ano do fundamental, conta que a adaptação deles foi surpreendente! “ Pensei que poderia ser bem mais difícil, mas graças a Deus eles não tiveram dificuldades”.
Ela diz que na casa há apenas um celular para os dois filhos, então eles revezam entre eles para fazer os exercícios, o que funciona porque cada um estuda em um período.
Sobre as dificuldades, Rafaela explica que o distanciamento do professor é o maior entrave para esta modalidade de aula. “Ninguém conhece mais a leitura e as dificuldades de cada aluno do que a professora. As mães, muitas vezes, não tem toda a sabedoria para ajudar os filhos.”
Nicolas e Yuri contam que estão gostando das aulas, mas sentem falta da escola.
“As aulas estão muito boas e interessantes, mas sinto saudades dos meus amigos e da escola” diz Nicolas.
Nayara Santos, mãe da Kamilly de 07 anos, aluna do 2º ano do ensino fundamental, também ressalta que a filha sente falta da escola, mas que tem se adaptado bem.
“Ela falou para mim que na escola é melhor do que em casa”, diz.
OPINIÃO DA AUTORA
A pandemia causada pelo novo coronavírus é um fato gerado por uma cadeia de acontecimentos que começou na cidade de Wuhan, na China, através de um vírus até então desconhecido pela ciência. Muitos destes acontecimentos fogem do controle humano e, portanto, não nos permite apontar precisamente erros ou culpados.
No entanto, a pandemia colocou o dedo na ferida das diferenças sociais que imperam neste país há mais de 500 anos. Esta sim completamente passível de análises que indicam falhas e culpados. Na educação, isto fica evidente. Ao longo do desenvolvimento desta matéria foi impossível não notar que o fato em comum, citado por todos os educadores entrevistados, é a falta de acesso dos alunos aos recursos necessários.
É importante percebemos que estamos falando de alunos da escola pública onde já se observa disparidades de condições socioeconômicas. Se levarmos esta discussão para a comparação entre escola particular e escola pública o abismo que separa os dois grupos é interminável.
Neste sentido, é preciso que toda esta crise gerada pelo novo Coronavírus faça com que governantes, educadores e sociedade civil discutam e busquem soluções para uma educação capaz de incluir todas as pessoas, porque o que vemos no Brasil hoje, claramente, é que crianças e jovens são afastados diariamente de seu êxito escolar por falta de condições favoráveis, o que refletirá no futuro, onde estas mesmas crianças perderão oportunidades por falta de formação adequada, em um ciclo sem fim.
Por fim, reforçamos a nossa percepção de que acreditar em meritocracia em um país com o histórico de desigualdade tão gritante quanto o Brasil é o mesmo que acreditar que todos saímos do mesmo ponto de partida, ainda que uns estejam no centro e outros à margem.
por Renata Souza