COMO O INCENTIVO PODE INFLUENCIAR AS NOVAS GERAÇÕES

2 de novembro de 2023 14:25 487

Era uma tarde bem quente numa época sem internet ou celular.
Eu tinha seis anos e morava numa das cidades mais populosas de São Paulo, o que significa que brincar na rua não era uma opção. Em resumo, eu era uma criança entediada, trancada em casa.
Não lembro se comecei a reclamar demais ou se chorei para chamar atenção, ou os dois. Só sei que a minha irmã mais velha, percebendo meu grau de inquietação pegou um dos seus livros e me entregou.

“Toma, vai ler um pouco, acho que você vai gostar”, – disse.
Nunca esqueci a sensação de começar a entender a história daquele livro e sentir todo tédio e ansiedade se esvaziando, a tarde se transformando num lugar tranquilo. “O Mistério Do Cinco Estrelas”, da célebre coleção Vaga-Lume, foi o livro que minha irmã me deu naquele dia.
Ainda guardo a edição comigo, quase 30 anos depois.


A leitura salvou a minha vida. Começou me salvando do ócio num tempo sem muitas distrações. Depois, me salvou de uma vida sem grandes planos. Filha caçula, de pais separados, numa família com poucos recursos e morando em uma grande metrópole, eu não enxergava perspectivas para o futuro. Na minha casa, ninguém nunca havia entrado na universidade.
No entanto, a leitura despertou em mim a vontade de estudar, para quem sabe um dia escrever minhas próprias histórias. Ela me fez entender que o conhecimento não pertencia a nenhuma classe social. A leitura me deu esperança.
Os anos passaram, tive o privilégio de estudar e construir uma carreira profissional interligada a leitura. No percurso, vi o mundo mudar e todo o amparado tecnológico dos novos tempos transformar a rotina das crianças, que já não ficam mais tão entediadas, tendo sempre uma tela por perto.
Passei a ouvir mais do que gostaria frases do tipo: “Ninguém mais lê”, “Essa meninada só quer saber de celular”, “Você viu, as livrarias estão fechando”. De tanto ouvir, comecei a sentir um abatimento e me questionar se de fato, eu estava um pouco ultrapassada.


Para tentar amenizar essa estranha sensação, criei um Clube do Livro. A ideia era que 3 ou 4 parentes e amigos próximos se reunissem virtualmente uma vez por mês para falar sobre literatura. Era meu jeito de resistir. Comecei a compartilhar detalhes dos nossos encontros nas redes sociais e, para o meu espanto, outras pessoas mostraram interesse em participar. Gente de vários lugares do país aparecia nos encontros, pessoas que eu não conhecia, amigos de amigos.
Me senti acolhida e, sobretudo, aliviada. O mundo podia estar mudando, mas ainda tinha muita gente que compartilhava o amor pela leitura.
A vida seguiu seu ritmo até que recebi o convite para participar do primeiro encontro do Clube do Livro da Escola Estadual Dr. José Esteves de Andrade Botelho, em Cana Verde. Fiquei entusiasmada em saber que adolescentes não só cultivavam o hábito da leitura, mas também queriam dividir suas experiências.
Numa terça-feira de manhã, com o sol já brilhando alto e o clima de verão no meio da primavera, cheguei à escola pronta para falar sobre as vivências num Clube de Leitura. Como o encontro seria apenas entre alunos que se inscreveram, imaginei que seriam 8, no máximo 10 pessoas. Fiquei espantada quando mais de 20 fizeram um círculo ao meu redor. Começamos a conversar e logo entendi que eu tinha muito mais para ouvir, do que para dizer.
Alguns deles chegaram com seus livros. Uma das meninas contou que escrevia fanfics, um menino disse que tinha acabado de completar a coleção de mangá, outra garota escrevia poesias e muitos deles disseram que seu gênero favorito era romance.
A garota das fanfics estava com um livro da saga Crepúsculo nas mãos. Em um momento, fizemos silêncio para que outra aluna lesse um trecho do poema que escreveu. Alguém contou que leu 250 páginas num único dia.
Fiquei ali, assimilando cada uma daquelas histórias e pensando em tantos anos atrás, quando era eu sentada naquelas cadeiras, sem nenhuma ideia de como seria o futuro. Pensei na minha mãe e no brilho que ela devolveu para minha vida, quando acreditou em mim. Entendi que toda aquela sensação estranha que tive com relação ao mundo estar tão diferente, não era tão real assim, afinal.
Porque conversando com aqueles jovens, percebi que apesar das mudanças, o essencial ainda permanece. Permanece o poder da escuta, do estímulo, do incentivo. Permanece o âmbito criativo que surge naturalmente com o hábito da leitura. Permanece a capacidade que um empurrãozinho tem para o outro acreditar nas suas próprias ideias e na habilidade de criar algo novo.


Talvez, falte apenas mais rodas de conversas e um pouco de atenção individual numa época que ninguém parece ter tempo para ouvir. Talvez, falta combater essa ideia cimentada em nós de que novas gerações não se interessam pela leitura ou pelo conhecimento.
E, talvez, o que vai fazer a diferença na construção do futuro é cada um de nós assumir a responsabilidade em ser o incentivador dos jovens a nossa volta, assim como os que vieram antes foram para nós.

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