Crianças, internet e privacidade: qual deve ser a atuação dos pais nesta relação?

10 de novembro de 2020 10:00 421

A família, atualmente, é caracterizada por ser um instrumento de realização das aspirações pessoais de cada membro, e dentre esses membros, a criança e o adolescente devem ter cuidado prioritário devido ao caráter especial de seres em desenvolvimento. Desse modo, a autoridade parental surge como um direito-dever concedido aos pais pelo Estado, a fim de que eles exerçam o papel de protetores desses sujeitos[1]. No contexto online, a autoridade parental deve assumir novas funções, agora com uma postura de preocupação com o uso das tecnologias, tanto por eles quanto pelos filhos.

No sharenting, tema do primeiro texto desta série, o que se vê é um “exercício disfuncional da liberdade de expressão e da autoridade parental dos genitores, que acabam minando a privacidade de seus filhos nas redes sociais”[2]. Isso significa que os pais, na ânsia de compartilhar o seu próprio cotidiano, acabam expondo demais a vida dos filhos, em evidente desrespeito ao direito à privacidade destes. Na maioria das vezes não possuem consciência dos riscos a que a população infanto-juvenil está exposta, ou fazem as publicações levando em consideração apenas a conotação lúdica das imagens, sem perceber que, na realidade, estão propagando os dados pessoais dos seus filhos na internet.
Tal exposição leva à criação da chamada pegada digital da criança. Isso significa que toda a sua trajetória de vida, seus gostos, suas roupas, sua escola, seus amigos e demais informações são compartilhadas na rede, criando-se um rastro que reflete quem ela é ao longo do tempo. No entanto, essa pegada é construída pelos seus pais, e não pelas próprias crianças. Sendo assim, informações que elas poderiam escolher não compartilhar fazem parte da sua vida digital, moldando sua identidade e reputação a partir do que foi disponibilizado. Observa-se, portanto, que no contexto do sharenting a autoridade parental pode estar sendo exercida de maneira abusiva, visto que ao invés de proteger e resguardar os direitos dos filhos, os pais estão os prejudicando ao realizar essa exposição exagerada.

Quanto ao internet of toys, discutido no segundo texto desta série, a atuação dos pais deve buscar neutralizar os perigos da rede, sem que haja uma invasão na privacidade e autonomia das crianças e adolescentes[3]. O fato de os filhos estarem em casa pode gerar uma falsa sensação de segurança para os pais, sendo que, na realidade, eles estão expostos aos perigos do ambiente virtual. Como decorrência dessa ilusão, pode ocorrer o chamado abandono digital, que é a omissão dos pais na orientação e acompanhamento das ações dos filhos na rede, os deixando expostos aos riscos invisíveis[4].
Dentre os deveres de criação, assistência e educação – determinados pelo art. 229 da Constituição para a proteção das crianças e adolescentes –, está o dever de fiscalização. Essa fiscalização está relacionada ao acompanhamento diário dos comportamentos do indivíduo na construção da sua personalidade, sempre aliada à sua autonomia. Pode-se falar, portanto, que a educação digital é um novo aspecto do dever de fiscalização, cabendo aos pais orientar os filhos sobre a segurança na internet, além de monitorar dispositivos, brinquedos e jogos eletrônicos[5].
O artigo 16 da Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança, documento ratificado pelo Brasil, determina que nenhuma criança deve ser submetida a interferências arbitrárias na sua vida particular, concretizando-se aí a necessidade de respeito à sua privacidade. Este direito pode ser associado ao direito à autodeterminação informativa, que é a possibilidade de o indivíduo controlar as informações que lhe dizem respeito, bem como sua circulação. Por todo o exposto, entende-se que tanto no sharenting quanto na internet of toys, as crianças e adolescentes têm minado esse controle das suas informações, visto que seus dados pessoais são divulgados e captados, na maioria das vezes, sem o seu consentimento.
Dessa maneira, conclui-se que, no contexto digital, o exercício da autoridade parental deve ser direcionado para a proteção da privacidade dos filhos. Isso significa que, na medida da sua maturidade, as crianças devem ser consultadas antes de os pais publicarem informações ao seu respeito na internet.

Tais indivíduos possuem o interesse em impedir que seus dados sejam compartilhados nas redes sociais, de modo a ter garantida a oportunidade de criar sua pegada digital de maneira autônoma. Já no uso de brinquedos e dispositivos conectados, cabe aos pais verificar como se dá o compartilhamento dos dados, bem como quem os utiliza e para qual finalidade. Ainda, cabe a eles realizar o dever de fiscalização, ensinando os filhos sobre a segurança e os perigos da internet.
Texto por: Thaminy Teixeira

NOTAS DE RODAPÉ
[1] TEIXEIRA, Ana Carolina Brochado. Família, guarda e autoridade parental. 2 ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Renovar: 2009, p. 83-84.
[2] MEDON, Filipe. Big Little Brother Brasil: pais quarentemados, filhos expostos e vigiados. Jota Info, São Paulo, 14 abr. 2020. Disponível em: https://bit.ly/3cxEdJv. Acesso em: 26 jun. 2020.
[3] LEAL, Lívia Teixeira. Internet of toys: os brinquedos conectados à internet e o direito da criança e do adolescente. Revista Brasileira de Direito Civil, Belo Horizonte, vol. 12, p. 175-187, abr./jun. 2017.
[4] TEIXEIRA, Ana Carolina Brochado; NERY, Maria Carla Moutinho. Vulnerabilidade digital de crianças e adolescentes: a importância da autoridade parental para uma educação nas redes. 2020, no prelo.
[5] Ibid.

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