JOVEM PERDOENSE USA A ARTE PARA COBRIR CICATRIZES E RESSIGNIFICAR MOMENTOS DE DOR

27 de novembro de 2023 22:21 1882

Quem chega ao estúdio de tatuagem da Maria Alvarenga, em Perdões, se depara logo na entrada com os certificados de destaque que ela recebeu nos últimos 3 anos. O que ninguém imagina é a rapidez com que sua carreira decolou e continua avançando não só na cidade, mas em toda a região.

Em 2018, Maria ainda não imaginava que os rumos de sua vida em breve mudariam completamente. Na época, a jovem era estudante de Engenharia Florestal e embora já não se sentisse realizada com o curso, não sabia se deveria desistir ou, se desistisse, qual profissão seguir.

Porém, como aquilo que nascemos para ser costuma dar pistas desde a infância, quando criança ela adorava passar o tempo pintando, desenhando e recortando. Aos 8 anos, matriculou-se no curso de pintura de tecido e óleo sobre tela, o qual permaneceu até os 14. 

O tempo passou e vendo Maria cada vez mais insatisfeita na faculdade, Pedro, seu irmão mais velho, teve uma ideia para ajudá-la.

 “Um dia ele me disse: por que você não tenta tatuar? Você desenha tão bem, às vezes, pode gostar”, conta Maria.

Na ocasião, ela respondeu “Está maluco? Marcar a pele dos outros? Isso é muita responsabilidade”. Pedro, porém, não ficou convencido e pouco tempo depois deu de presente para a irmã um kit para tatuadores iniciantes.

Foi a partir do incentivo do irmão que todo o talento e aptidão que acompanham Maria desde a infância despertaram e ela decidiu iniciar a nova empreitada.

“Comecei a buscar informações e praticar sozinha. Um tatuador conceituado chamado Jonas Pescatore ensinava várias técnicas no Youtube, eu assistia tudo e treinava em EVA e na pele artificial”, conta.

Mas, como nem todo mundo exerce o poder do incentivo e da empatia, quando a jovem decidiu ir para campo, não recebeu apoio de colegas de profissão.

“Morava em Lavras na época, por causa da faculdade, e visitei um estúdio da cidade para ver como era a rotina, mas o tatuador foi extremamente ríspido comigo. Disse que não treinava concorrentes e que mulher não tinha sucesso nessa área”, relembra.

Maria decidiu então continuar treinando sozinha, através de vídeo aulas. Um dia, após ver os desenhos da irmã na pele artificial, Pedro disse:

“Agora você já pode tatuar em mim”.

 Era fevereiro de 2019 e, embora Maria ainda não soubesse, aquela seria a primeira tatuagem, de um ano com muita demanda.

Logo depois, no carnaval, Pedro começou a contar aos amigos que sua irmã estava tatuando de graça. As pessoas começaram a procurá-la e Maria tatuava com a promessa de concertar depois, caso algo saísse errado.

“Eu tatuava na sala de casa. Não tinha maca, então higienizava tudo e fazia sobre um baú. Me preocupava muito com a biossegurança, principalmente porque estudava sobre bactérias na faculdade. Brinco que a Engenharia Florestal também me ajudou a ser tatuadora (risos)”.

Maria continuou na faculdade para cumprir o desejo da mãe de concluir o curso, mas como já estava decidida que tatuar era o que faria para o resto da vida, conciliou a graduação com cursos de especialização, inclusive o do próprio Jonas Pescatore.  De segunda a sexta, permanecia em Lavras e pelo Whatsapp agendava os clientes do fim de semana, quando voltava para Perdões.

Em 2021, com a graduação concluída, retornou de forma definitiva para a cidade, aperfeiçoou seu estúdio e não parou mais.

“Meu objetivo sempre foi oferecer algo que não tinha aqui. Os estúdios geralmente seguem um padrão, com tatuador homem, paredes escuras, som alto, traço mais grosso… eu queria algo mais delicado e, principalmente, um atendimento humanizado”, conta.

E o trabalho da jovem tem outro diferencial: ela se aperfeiçoou em tatuagens que cobrem cicatrizes, para ajudar a ressignificar uma dor ou um momento difícil.

“Sempre vi e me comovi com histórias de pessoas que passaram por situações bem difíceis, como um acidente de carro, por exemplo. Elas sobrevivem ao trauma, mas ficam com a autoestima baixa por causa de uma marca no corpo. Vi mulheres lindas que depois de uma cirurgia ficam super inseguras. Pensei, se uma cicatriz é o que está abalando essas pessoas, por que não dar outro significado a elas?”, explica Maria.

Dentre tantas histórias compartilhadas com ela, uma em especial a marcou:     

“A moça havia tentado suicídio com fogo e nós cobrimos todas as suas cicatrizes com flores, para que as dores se transformassem em jardim e transmitissem a alegria que ela irradiava, apesar dos momentos de tristeza”.

Recentemente, ela viajou para Palmas, em Tocantins, para cursar outra especialização, desta vez em reconstrução de aréola mamária.

“Muitas vezes a mulher que passa pela mastectomia (cirurgia para retirada do seio em decorrência do câncer de mama) faz o implante, mas não recupera sua autoestima totalmente. Com a reconstrução da aréola, este cenário tem tudo para mudar”.

Ao concluir o curso, Maria visitou a Casa Renascer em Perdões para ter contato direto com as pacientes em tratamento do câncer, conhecer suas histórias e apresentar seu trabalho.

“A casa é muito bonita e realiza um amparo social e psicológico incrível. Meu intuito é colaborar também, por isso, mulheres que fizeram a mastectomia e queiram fazer a reconstrução podem procurar o estúdio, que não terão nenhum custo. Mesmo depois de 5, 10 anos da cirurgia, o importante é elas terem sua autoestima de volta e se orgulharem da luta que travaram e venceram”.

No fim da entrevista, o que fica de mais bonito é ver uma jovem determinada e extremamente focada, que quebrou preconceitos, se destacou na profissão e agora também se empenha para que o desenho e a arte sempre tão presentes na sua vida, possam ajudar a transformar dores em beleza.

por Renata Souza – jornalista

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