Nos primeiros anos do colégio, a professora de Língua Portuguesa nos passou a lição – “tragam na próxima aula uma redação descrevendo o seu super-herói favorito”. Nos anos 80, as meninas não tinham muita opção e escreveram em peso sobre a Mulher-Maravilha, talvez a única heroína de plantão à época. Por outro lado, os meninos tinham um leque bem maior de personagens, sendo certo que os mais cotados foram Super-Homem, Batman, Aquaman, Capitão América e Homem de Ferro.
Não era Dia dos Pais e nem havia qualquer orientação que ligasse o mote da redação à figura paterna, mas movido pelo sentimento puro e cristalino que alimenta a alma das crianças, me recordo que brotou em meus pensamentos, sob a forma de irresistível inspiração, a figura doce de meu Pai como o meu super-herói favorito e mais admirado.
Em silêncio e segredo, me esforcei bastante para conseguir colocar em mal traçadas linhas tantos sentimentos, como admiração, respeito, amizade, amor e outros tantos indescritíveis diante da limitação da linguagem humana e mais restrita ainda na forma de se expressar de uma criança.
Na aula seguinte, confiante, entreguei à professora a aludida redação. Dias depois, ainda me lembro dessa passagem, ocorrida há mais de 30 (trinta) anos, a professora entregara todas as outras redações aos demais alunos, menos uma, que separara em uma das mãos enquanto fazia a distribuição e quando percebi que essa última era justamente a minha redação, senti subir e descer “um frio pela espinha” e o que eu temia aconteceu – ela, tocada de inexplicável sensibilidade, fez a leitura integral da minha redação para que todos a ouvissem.
Todavia, ao contrário do que eu imaginara, os colegas não levaram a situação para o lado do escárnio, como acontecia com freqüência naquela época, o que hoje ganhou a sofisticada denominação de bullying. No meu universo de garoto tímido, superei aquele imprevisto sufoco, guardei a redação dentro da mochila e não a mostrei a mais ninguém.
O meu pai exercia a profissão de representante comercial e, nesse mister, ficava a semana toda fora de casa, somente retornado aos finais de semana ou a cada quinze dias. A saudade nos machucava, a mim, aos meus dois outros irmãos mais novos e, por certo, também à minha mãe, mas esta, fazendo o tipo “durona”, não costumava dar o braço a torcer. O fato é que, quando ele, no finalzinho das tardes de sexta-feira encostava a sua nave, ou melhor, o seu Chevette na porta de casa, era aquela festa.
É isto: o meu super-herói não chegava voando, chegava de Chevette mesmo e do alto dos seus 1,60 metros de altura e pesando pouco mais de 60 (sessenta) quilos, ali estava ele novamente, pele clara, olhos azuis profundos e bondosos, atencioso, abraçava a cada um de nós e nos trazia sempre um agrado – um “kicôco”, um “Prestígio” ou um “Choquito” – e muito amor.
Embora estivesse ausente a maior parte do tempo, os momentos que passávamos com ele eram de muita qualidade, nos levava sempre para pescar aos Sábados e, às vezes, aos Domingos também. Nada no mundo era melhor que aquilo e, ainda hoje, conservamos essa mesma paixão pela pescaria.
Pouco tempo depois, a minha mãe me contou que descobrira a redação dentro da minha mochila e mostrara para ele, descrevendo também a emoção que ele demonstrara ao lê-la.
Na época, experimentei um misto de sentimentos – feliz por ele ter ficado sabendo dos meus sentimentos mais puros por ele e também por ele ter ficado emocionado com a minha sincera homenagem, mas um pouco envergonhado por conta dessa estranha dificuldade que nos impede ou nos causa tanto embaraço em manifestar às pessoas mais queridas a real profundidade dos nossos sentimentos por elas.
Enfim, meu super-herói, hoje, está aposentado, com 72 (setenta e dois) anos de idade, continua vivendo na cidade de Formiga-MG, ostenta agora belos cabelos brancos como a paina, mas ainda traz no semblante tranqüilo, próprio daqueles que trazem no coração a certeza de que combateram o bom combate e que a missão foi bem cumprida, o mesmo olhar azul e sereno de outrora, agora compartilhado também com os netos e netas que ele, com o mesmo amor, acompanha de perto. O nome desse nosso querido herói – José Maria Souto.
Parabéns Pai! Nós lhe amamos muito! Feliz Dia dos Pais! Muito obrigado por tudo!
Mergulhado nessas reminiscências, colho o ensejo para homenagear a todos os outros Pais deste nosso País, outros tantos heróis anônimos, que mesmo sem superpoderes, fazem o possível e o impossível a cada dia para dar condições de existência digna aos seus filhos e filhas, orientando-os, arrastando-os pelo exemplo e, com isso, honrando a importante missão que Deus lhes colocou nas mãos.
Parabéns a todos!
Júnior César Souto