“O impositor é um impostor”

21 de novembro de 2016 11:19 1338

Uma criança, cuja mobilidade e expressão natural tenham sido continuamente dificultadas ou obstruídas, desenvolve formas enrijecidas de levar sua vida pessoal e social. Estes obstáculos henriqueoriginados na infância não possuem hereditariedade, são antes formas de pensar e valores inculcados na criança desde o berço, que geram forte desequilíbrio emocional. Esses danos psicológicos estão intimamente ligados ao caráter neurótico, que mantém uma vivência de aprisionamento ou opressão, podendo levar, a longo prazo, ao desenvolvimento de um câncer ou uma doença cardíaca por exemplo. Uma vez que sua necessidade humana de prazer e satisfação foi frequentemente interrompida no passado – e, agora na fase adulta, continua sendo boicotada pelo próprio indivíduo, através de códigos internalizados – a pessoa acometida por esse déficit emocional passa a fazer as mesmas exigências descabidas com aqueles que lhe rodeiam. Trata-se dos impositores.
O sujeito saudável faz sugestões e tenta ajudar as pessoas, deixando-lhes a decisão de aceitarem e seguirem, ou não. Por outro lado, o neurótico afetado pela “doença emocional” tenta impor à força seu modo de vida, e luta contra qualquer outro modo de vida diferente do seu, mesmo que não o afete de maneira alguma. Ninguém suporta conviver com esse tipo de gente impositora. Melhor dito, volta e meia, todos nós temos que lidar com esse perfil cotidianamente, seja ele um pai, um professor ou autoridade que, lamentavelmente, são portadores dessa peste e que podem nos contagiar facilmente se não criarmos certa proteção, uma vez que ninguém está imune a ela.
Essa doença emocional se manifesta em diferentes sintomas: intolerância religiosa; sede de autoridade; moralismo; métodos sádicos de educação; fofoca e difamação; criminalidade; agiotagem; racismo; homofobia etc. Esses sintomas corriqueiros representam uma grave ameaça à existência, pois, diferentemente das pessoas livres, os neuróticos afetados sempre trazem de forma velada ou explícita um desejo de impor aos outros sua maneira de ver e viver; geralmente o fazem a partir da disseminação de medo, angústia e ódio (vivências claramente particulares, predeterminadas pelo seu problema emocional, mas que são disfarçadas por argumentos irracionais, ideologias e crenças como sendo verdades universais). As motivações dessas pessoas não estão relacionadas especificamente com sua própria vida, como seria o caso de alguém saudável, mas, como vampiros emocionais, dependem e consomem a vitalidade dos outros para sobreviverem de forma miserável no mundo.
O indivíduo atacado por essa deficiência, escondido atrás de sua convicção, não enxerga a natureza prejudicial de seus atos. O pensamento dessas pessoas não é acessível a argumentos lógicos e racionais. Por exemplo, um educador severo e autoritário irá se justificar dizendo que as crianças são difíceis ou agitadas, e por isso seus métodos são necessários. Não é possível convencê-lo de que o motivo real de sua prática é a punição sádica, e nada educativa, que deseja infligir às crianças. É por isso que devemos atentar para a verdade: É a incapacidade de a pessoa se satisfazer ou ter prazer na vida que leva ao desenvolvimento da doença emocional e do caráter impositor. Esses indivíduos cultivam sempre uma inveja acompanhada de um ódio mortal a tudo o que é saudável e livre, dada a pequenez de seu amor-próprio. Por isso o impositor é um impostor, pois sua postura compulsiva não tem nenhuma racionalidade de ser, trata-se antes de uma tentativa malograda de compensar sua incapacidade de amar, trabalhar e gozar a vida.
Que cada pessoa conscienciosa possa descobrir sinais da doença em si mesma e se prevenir contra os gravemente enfermos. Os impositores são pessoas difíceis de serem “curadas”, pois sua mentira foi entranhada na personalidade de tal forma que o tratamento dos sintomas se lhes apresenta como verdadeiro ataque ao próprio eu. Mas essa é a única via para o reestabelecimento da capacidade natural de amar, ser afetado, alcançar o êxtase de existir e se entregar aos intensos sentimentos de alegria, prazer e realização social que a vida proporciona e nos “impõe”.


Henrique Aquino – psicoterapeuta

 

Compartilhe este artigo