Na escola em que eu estudava, havia um senhorzinho que, religiosamente, todos os dias, aparecia com sua van para buscar as crianças. Um modelo de pontualidade – e de van também, porque o carro parecia ter sido fabricado nos tempos em que a Kombi era o ápice da modernidade. O senhor já passava dos sessenta, tinha aquele jeito simpático de quem oferece bala depois da escola e um “boa tarde” que era quase patrimônio cultural da instituição.
As crianças adoravam. Os pais confiavam. As professoras respiravam aliviadas quando viam o para-choque da van entrando no portão. Tudo ia bem. Até que, um dia, o moço da van… sumiu.
Nada de buzina. Nada de van. Nada de moço.
E aí, o caos. Ligações desesperadas: “Mãe, vem buscar o Joãozinho, o cara da van não apareceu!”. Pais indignados no portão da escola, celulares fumegando no grupo do WhatsApp: “É um absurdo! E se tivesse acontecido algo com nossos filhos? ”.
De fato, tinha acontecido algo. Mas não com os filhos.
Como não havia muitas vans disponíveis na região, algumas crianças ficaram sem fermentar—perdão, frequentar—aulas. Mas a ausência do senhorzinho virou mistério de cidade pequena. Virou caso.
Fuxicaram os grupos de motoristas, procuraram o nome nos hospitais. Nada. Uma mãe ligou até nos cemitérios – aquela mais prática, que pula logo para a pior hipótese. Também não acharam nada.
Eis que, alguns dias depois, surge a notícia: o moço da van teve que viajar às pressas. Doença na família, numa cidade distante. A justificativa parecia convincente. Dramática, até.
Mas como toda boa crônica precisa de uma reviravolta, uma mãe – aquela que não se contenta com respostas simples – decidiu investigar mais. Foi perguntar aqui, fuçar ali, e então… bingo!
O moço da van não estava cuidando de parente doente. Estava, na verdade, preso. Sim, preso. A Maria da Penha prendeu ele. Parece que o bom velhinho da van não era tão bondoso assim dentro de casa.
E o que aprendemos com essa história?
Que agressor não tem cara. Pode ser o vizinho cordial, o motorista atencioso, o avô que todos admiram. A violência contra a mulher muitas vezes se esconde por trás de sorrisos gentis e gestos rotineiros. E que, no fundo, o que mais assusta é isso: o quanto ainda acreditamos que dá para reconhecer um agressor só pelo jeito que ele trata os outros.
Quando o que realmente importa… é como ele trata quem está ao lado dele quando ninguém mais está olhando.
Se você é vítima ou conhece alguma mulher em situação de violência doméstica, é fundamental acolher sem julgamento e direcionar aos canais para registro:
1- Aplicativo “Direitos Humanos Brasil”
*Disponível para Android e iOS.
*Permite denúncias de violência de forma anônima.
*Oferece atendimento por chat, com acessibilidade em Libras.
*Inclui geolocalização para facilitar o socorro.
2- Aplicativo “PenhaS”
*Criado pelo Instituto AzMina.
*Oferece informações sobre tipos de violência, direitos e canais de denúncia.
*Espaço seguro para anotações e construção de uma rede de apoio.
NÃO SE CALE!
*Jucilaine Neves Sousa Wivaldo – Instagram @jucilainewivaldo
Poeta, escritora, esposa, mãe, assistente social, e muitas outras facetas que, como mulher, me permito ser!