O TDHA E A IMPORTÂNCIA DO CONHECIMENTO PARA A CONSTRUÇÃO DE UMA SOCIEDADE MAIS INCLUSIVA

3 de outubro de 2023 11:42 497

Desde que nascemos, somos analisados e julgados.

Quando criança, o julgamento geralmente é baseado no desempenho escolar, nas boas notas, na prática de algum esporte e no comportamento social. “A filha de fulano não para quieta. É muito bagunceira”. Ou “Aquele menino é tão quietinho, coitado, não fala com ninguém”.

Na adolescência, a capacidade de socialização, os lugares frequentados e as roupas usadas são fortes critérios de avaliação. Na vida adulta, são questões profissionais, o bom emprego, o relacionamento estável, a condição financeira e o posicionamento social e político que são monitorados pelo olhar alheio. Além disso, no nosso tempo, em todas as idades, há o julgamento sobre o corpo, o peso, a pele, a ruga, o melhor filtro para a melhor foto.

E a verdade é que, em algum momento, nos tornamos também julgadores.   Analisamos o outro a nível de comparação e de expectativa, baseados em padrões que consideramos certos. Porque vivemos num mundo em que é mais confortável e seguro estar ao lado dos convencionais, daquilo que nunca é questionado.

Porém, nesse ciclo sem fim de julgados e julgadores, nos esquecemos que simplificar o outro significa ignorar o fato de que cada ser é fruto de uma combinação entre tempo e genética que jamais se repetirá. E cada um é dotado de seus próprios talentos, gostos, vivências e personalidade. 

Arthur tem 06 anos e ainda não compreende o que são padrões ou julgamentos, porque crianças não olham o mundo deste modo. Mas, mesmo sem saber, ele tem demonstrado para aqueles ao seu redor a importância da empatia e do acolhimento às diferenças.

Em 2022, quando foi diagnosticado com TDHA – Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade -, sua família já estava preparada para a notícia.

“Desde pequenininho ele apresentava alguns comportamentos, como movimentos repetitivos, desatenção, dificuldade em ficar quietinho durante as refeições…”, conta Mirian Souza, mãe de Arthur.

“Um dia meu filho mais velho disse `mãe, acho que o Arthur pode ter TDHA`. Fiz algumas pesquisas e vi que de fato haviam muitas semelhanças entre as características do TDHA e o comportamento que ele apresentava”, completa.

 Apesar disso, a família não teve grandes preocupações, já que Arthur seguia a rotina normalmente. Comunicativo e bastante enérgico, encantava os familiares com a facilidade de interagir em casa e com o bom humor com aqueles que acabava de conhecer.  Certa vez, ao sentar do lado de uma desconhecida no metrô, não hesitou em se apresentar:

– Oi, eu sou o Arthur, onde você está indo?

Ao chegar na fase escolar, porém, as preocupações começaram a surgir.

 “Ele estava na pré-escola, eu ia às reuniões e via que os coleguinhas estavam em desenvolvimento e tinham muitas atividades no caderno. No caderno do Arthur não tinha nada. Ele nem sequer se interessava pelas atividades”, relembra Mirian.

Durante o ano todo, a situação não parecia melhorar. Foi quando ela decidiu procurar o especialista.

Cerca de 5% das crianças em todo o mundo tem TDHA, cujas principais características são a dificuldade de permanecer atento às atividades longas, repetitivas ou que não lhe sejam interessantes, além da facilidade em se distrair por estímulos no ambiente ou com seus próprios pensamentos.  Segundo a Associação Brasileira do Déficit de Atenção (ABDA), o TDHA combina justamente três sintomas: desatenção, hiperatividade e impulsividade.

Levando em consideração que o sistema tradicional de ensino exige uma grau elevado de atenção, foco e manejo de várias atividades, é natural que crianças com TDHA tenham mais dificuldade, já que o processamento e velocidade com que assimilam informações é diferente daqueles que não possuem o transtorno.

Porém, a falta de informações por parte da sociedade e a falta de preparo e estrutura das escolas brasileiras acabam por dificultar ainda mais a vivência escolar destes alunos.

A ABDA orienta que as escolas ofereçam apoio pedagógico, realização de provas no início do turno com maior tempo disponível, avaliações em forma oral, que evitem atividades multitarefas e que dividam trabalhos grandes em metas menores, além de manter os alunos com TDHA próximo aos professores, longe das janelas, recebendo orientações curtas e diretas.

Porém, como exigir que um professor execute tantas ações e que mantenha a atenção individualizada ao aluno, se a maioria está sobrecarregada, numa sala com mais de 30 crianças, cada uma com sua particularidade?  Além do que, muitas vezes a falta de formação na área faz com que o professor também não saiba como lidar com as limitações do aluno.

As consequências são preocupantes: a taxa de evasão escolar de crianças e adolescentes com transtornos de aprendizagem chega a 40%. Além disso, portadores de TDAH comumente apresentam baixa autoestima, decorrentes de críticas constantes, já que por falta de conhecimento parte da sociedade avalia esses estudantes como incapazes, preguiçosos, desobedientes e pirracentos. Em todas as idades, portadores de TDHA estão sujeitos a desenvolver comorbidades, ou seja, desenvolver simultaneamente distúrbios psiquiátricos, como ansiedade e depressão.

Para Mirian, a falta de informação é a grande causadora do preconceito:

“A sociedade não está preparada para lidar com essas crianças, falta muita informação. A informação gera conhecimento e o conhecimento dizima a ignorância. Só isso é capaz de solucionar a descriminação em todos os sentidos”, diz.

Hoje, cursando o 1º ano do Ensino fundamental, Arthur tem o seu próprio ritmo no processo de aprendizagem, e em casa conta com todo o apoio da mãe, principalmente por estar na fase de alfabetização.

Segundo artigo publicado pela Dra. Rosemary Tannock, em 2016, pessoas com TDHA tem 40% mais dificuldade em matemática, 90% em leitura e 80% dificuldade com a escrita.

Acompanhando de perto o desenvolvimento escolar do filho e presenciando as dificuldades da escola em lidar com alunos com algum déficit cognitivo (na mesma turma do Arthur há outra criança com TDHA e uma com TEA – Transtorno do Espectro Autista), Mirian decidiu estudar para ajudar o filho e futuramente outras crianças e pais que passam pela mesma situação.

 “Desde que o Arthur foi diagnosticado, busco o máximo de informações possíveis e resolvi fazer cursos especializados para poder ajudar no processo de alfabetização dele e também compartilhar este conhecimento com outras mães”, conta Mirian. 

E completa: “Aprendi que cada criança tem seu tempo e é preciso ter paciência com o processo. Mesmo que ele não leia no tempo regulamentar como os coleguinhas, ele é inteligente, vai aprender no tempo dele”.

Mirian diz ainda que hoje a maior preocupação da família é o convívio social.

“Como mãe, o que mais me preocupa é a questão do bulling, porque a sociedade é cruel e não sabe lidar com essas crianças. A falta de informação faz vítimas inocentes e isso é o que mais me preocupa, como meu filho será tratado”.

A preocupação de Mirian faz todo o sentido diante de uma sociedade que não sabe lidar com as diferenças. Ela conta que, às vezes, por falta de orientação, os próprios pais tendem a acreditar que o problema é que os filhos são teimosos e bagunceiros.

“Você escuta tantos comentários, que seu filho é atentado, que seu filho é difícil, que você passa a acreditar e ficar do lado das pessoas que descriminam. Mas, a gente precisa ficar do lado do nosso filho, acolher, abraçar, orientar…”, diz.

Quando perguntada sobre o que diria para outras mães de crianças com déficit cognitivo, ela diz que assim como os filhos, as mães também passam por um processo:

“Nós nos tornamos mães, um pouco a cada dia. O acolhimento e a aceitação vem de dentro pra fora e o conhecimento é libertador. Eu também estou aprendendo a ser mãe de uma criança com TDHA. E eu sei que a paciência, o amor e o conhecimento tornam uma mãe imparável”, finaliza.

Nós, como sociedade, não podemos nos isentar da responsabilidade em incluir e acolher essas crianças. E o primeiro passo, talvez, seja entender que não dá para resumir uma pessoa de acordo com o nosso olhar. Porque existe a singularidade do que é nosso e a singularidade do que é do outro. É difícil. É mais difícil que aprender a andar e falar, porque vivemos num mundo que nos ensina o contrário. Nos ensina a repelir e julgar. Mas, é preciso reaprender. Deixar de olhar para apontar e olhar para acolher.  Só assim deixaremos de ser julgados e julgadores para conviver com verdadeira e profunda empatia pelas diferenças.

E só assim contribuiremos para a construção de um mundo em que crianças como Arthur possam desenvolver suas habilidades, sabendo que não estão sendo analisadas e julgadas, mas acolhidas e respeitadas.

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