Os Escoteiros

6 de maio de 2017 20:18 1486

Era uma noite fria de sábado, mês de julho, em Perdões. Zezão e eu estávamos na casa do Sr. Vinico esperando pelo seriado Bonanza. 19Alguém passou na rua e conversou com a Dona Carlota, que estava no alpendre. Ela entrou, foi até o fundo da casa e logo voltou vestindo uma blusinha preta, pouco indicada para aquela noite fria. O Sr .Vinico lhe perguntou:
“- Aonde vai, Carlota?” Ela respondeu, andando: “— Vou ali na praça, ver uns meninos que estão acampados perto da estação.” E saiu com o seu passinho miúdo e decidido. Ficamos lá, vendo televisão. Algum tempo depois, volta Dona Carlota apressada. Quando vai passando por nós, o Sr Vinico pergunta novamente: “— O que está acontecendo? Por que esta pressa?” Ela respondeu, sem perder a pressa: “— Tem uns meninos acampados perto da estação, naquele frio, e eu vou fazer uma broa para eles tomarem café. Devem estar mortos de fome.” E desapareceu na direção da cozinha. Ficamos curiosos com a história dos meninos acampados e fomos até a cozinha para dar uma olhada lá pelas bandas da estação. Realmente, alguma coisa fora do comum estava ocorrendo lá.
Zezão e eu deixamos sozinho o Sr.Vinico e fomos para a estação ver de perto o que estava acontecendo.
Nem dava para acreditar. Em um terreno vago, que havia ao lado do armazém do Sr.Vitor Críncoli, na Rua Governador Valadares, onde hoje está o prédio da Caixa Econômica Federal, havia uma tropa inteira de escoteiros: meninos de todas as idades e tamanhos, além do comandante da tropa, um homem feito.
O acampamento estava sendo preparado. Havia um mastro com a bandeira da tropa, algumas barracas montadas e outras por montar. Os meninos corriam para todos os lados, montando cozinha, carregando coisas, organizando mantimentos, roupas e tralhas.
E foi chegando gente da cidade. Era uma novidade e todo mundo queria saber o que estava se passando. Aí, a notícia de que tinha meninos pequenos, os Lobinhos, se espalhou e apareceram as mães, principalmente as mães da rua Governador Valadares. A princípio, só olharam, sem tomar nenhuma providência. Mas depois, quando viram os Lobinhos, a coisa mudou de figura.
Perguntaram ao comandante da tropa onde aquelas crianças iriam dormir. Ele respondeu que seria nas barracas, claro. Foram ver as barracas e constataram que as crianças iriam dormir no chão, sobre um colchãozinho fino, com uns poucos cobertores, sob o frio cortante de Perdões. Foi o suficiente. Queriam levar todas as crianças para as suas casas. Elas dormiriam juntas com os seus filhos e, no dia seguinte, voltariam para o acampamento.
“— Nem pensar nessa hipótese”, disse-lhes o comandante. As crianças estavam sob os seus cuidados e em treinamento de escotismo. Não convenceu às senhoras perdoenses.
Depois de muito bate-boca, as mães concordaram que levariam para as suas casas somente os menorzinhos, os Lobinhos. Não houve acordo. Explicaram ao comandante que ali havia cobras, escorpiões, cacos de vidro e muitas outras sujeiras, mas não adiantou. Entretanto, alguma providência tinha de ser tomada. E as mamães saíram em busca de soluções para ajudar os meninos. Voltaram pouco depois com cobertores, travesseiros, toalhas, água filtrada, comida, café, leite, enfim, tudo que pudesse minorar, segundo o entendimento delas, o sofrimento e os riscos que a criançada estava sofrendo.
O comandante disse às senhoras que precisava de um pouco de lenha para manter o fogo aceso. Apareceu tanta lenha que dava para acender fogo o ano inteiro.
“- E a iluminação do acampamento, como será?”, perguntaram. “-Com os lampiões, que cada equipe traz consigo”, respondeu-lhes o comandante. Não demorou muito e apareceu uma profusão de fios, lâmpadas, bocais, extensões elétricas, postes improvisados e em pouco tempo o acampamento estava iluminado. Os lampiões foram esquecidos em um canto da tralha.
Havia muitas mães pelo acampamento, andando de barraca em barraca, ajudando os meninos e contrariando o comandante.
Pela manhã do dia seguinte, movido pela curiosidade, fui ao acampamento dos escoteiros. Já estavam de pé, tinham tomado o café matinal, estavam arrumando as suas coisas e se preparando para uma reunião de toda a tropa.
O comandante, muito esperto, colocou uma corda de isolamento em todo o perímetro do acampamento, evitando assim a entrada das pessoas da cidade, principalmente das boas e cuidadosas mães.
Teve a reunião da tropa com instruções, explicações de alguns escoteiros, palavras de ordem, cantaram o Hino dos Escoteiros e, depois, dispersaram-se.
Preparavam-se para o almoço, quando houve um desentendimento entre dois escoteiros. Partiram para a vias de fato, mas outros colegas evitaram o confronto. Imediatamente o comandante apareceu, conversou com os dois contendores, ralhou um pouco e eles apertaram-se as mãos e tudo voltou à normalidade.
À tarde, começaram a levantar acampamento. Organizaram tudo muito bem em suas mochilas, sacolas de barraca, tralha de cozinha e foram colocando tudo no ônibus deles.
Todos os escoteiros, e principalmente o comandante, agradeceram muito ao povo de Perdões, especialmente às mães que lhes deram tanto apoio.
Entraram no ônibus e partiram não sei para onde.
Acho que foram pensando assim: “ – Não dá para fazer treinamento em Perdões. O povo é muito bom!”
Nunca mais vi escoteiros por aquelas bandas.


Por Vicentre Castro

 

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