Ovos cozidos

1 de junho de 2023 9:58 303

Havia um tempo em que as estradas eram povoadas por cavaleiros e andarilho em busca de aventura ou trabalho. Foi em uma dessas estradas que um humilde pai de família deixou sua casinha simples para buscar um emprego que pudesse sustentar sua esposa e filhos. Seu nome era José.
José caminhou por dias e dias, enfrentando o sol quente e a poeira da estrada, até que sua comida acabou e ele começou a sentir fome. Foi então que ele viu uma casinha na beira da estrada, onde uma mulher estava varrendo o terreiro. Ele se aproximou e pediu por comida, e a bondosa mulher disse que só tinha ovos. Sem escolha, o nosso viajante agradeceu e aceitou os ovos. A mulher cozinhou seis ovos e serviu ao caminhante, que devorou a refeição com gratidão.
Com o estômago cheio e muito agradecido, o homem voltou a caminhar, determinado a encontrar trabalho.
Ao longo do caminho, ele notou algo brilhando no chão. Ao se aproximar, percebeu que era uma fotografia que havia sido pisoteada por gado, cavalos e pessoas que por ali passaram.
O andarilho pegou a fotografia do chão e a limpou com cuidado. Na imagem, ele viu o que parecia um distinto fazendeiro, com um chapéu de couro e um sorriso amigável sob um farto e bem cuidado bigode.
Admirado com a aparência distinta naquela fotografia, ele disse à si mesmo em voz alta: “alguém tão distinto só pode ter sido uma boa pessoa”. Com muito cuidado, colocou a foto presa em uma rachadura do mourão de uma porteira próxima, e brincou:

Agora o senhor vai ter visão melhor da estrada!
Com a foto presa na rachadura do mourão, José retomou sua jornada pela estrada empoeirada. Após um dia de caminhada, ele avistou uma figura solitária na estrada vindo em sua direção. Era outro retirante, carregando uma mochila nas costas e um sorriso amigável no rosto, o tipo de sorriso que só as pessoas sofridas ostentam. Os dois homens pararam para conversar e compartilhar histórias de suas viagens. Seu novo amigo convidou-o para uma refeição, e com tamanha generosidade partilhou com José o pouco que trazia.
Ao se despedirem, aquele bondoso senhor, ofereceu ao nosso amigo um pão dormido enrolado em um jornal, dizendo que tinha acabado de ganhá-lo de uma boa alma na estrada. José agradeceu e guardou o pão para comer mais tarde.
Mais adiante quando finalmente chegou a hora de comer o pão, o nosso amigo desenrolou o jornal para ver se havia alguma notícia interessante. Foi então que, com muito esforço, pela sua pouca leitura, ele conseguiu ler uma notícia sobre a morte de um homem condenado por roubo. Para sua surpresa, era o distinto senhor da fotografia que ele havia encontrado no dia anterior.
No final do dia seguinte, José chegou em uma fazenda e após uma breve conversa com o fazendeiro encontrou o tão desejado trabalho.
José foi contratado como trabalhador na fazenda e dedicou-se com afinco ao seu trabalho. Ele era diligente, dedicado e demonstrava grande habilidade nas tarefas que lhe eram atribuídas. Com o tempo, o fazendeiro notou o esforço e o empenho de José e decidiu recompensá-lo com uma bonificação pelo seu bom trabalho.
José ficou feliz com o reconhecimento e com aquele dinheiro extra, ele começou a planejar sua volta para sua família. Como ele guardara todo o dinheiro que ganhou ao longo do tempo em que trabalhou na fazenda, sem gastar nada, estava pronto para voltar para sua casinha e sua querida esposa e filhos. Ele se despediu com muita gratidão do fazendeiro que o acolhera e numa bela manhã, pegou a estrada a caminho de casa.
Após alguns dias de viagem, José finalmente chegou perto da casinha simples na beira da estrada e da mulher gentil que lhe havia dado ovos quando ele estava com fome. Determinado a ser justo e grato, José decidiu visitar a mulher e pagar pelos ovos que tinha recebido.
Ao avistar a mulher, José explicou que estava ali para pagar pelos ovos que tinha comido quando passou pela sua casa. No entanto, para sua surpresa, a mulher revelou-se avarenta e gananciosa. Ela exigiu que José lhe desse todo o dinheiro que ele tinha consigo, alegando que se ela colocasse os ovos para chocar, e assim sucessivamente, ele ainda lhe ficaria devendo, pela grande quantidade de galinhas que ela teria no quintal.
José ficou chocado com a atitude da mulher, mas como uma pessoa simples, decidiu cumprir sua palavra e pagar pelos ovos. Ele deu a ela todo o dinheiro que havia guardado durante o tempo em que trabalhou na fazenda, mesmo sabendo que estava sendo injustiçado.
Depois de ter perdido todo o seu dinheiro, com lágrimas nos olhos ele concluiu que não podia voltar para casa com as mãos vazias, então decidiu voltar para a fazenda e trabalhar por mais algum tempo. Então agora, José cabisbaixo, muito abatido, voltava para a estrada. Quando ao chegar perto da porteira onde tempos atrás, encontrara aquela fotografia. Não percebeu ele que a porteira, soltara um estrondoso som ao chocar em seu batente, donde daria passagem a um distinto senhor montado em seu cavalo com arreios adornados em pura prata. José de tão triste e perdido nos mais diversos pensamentos passaria por aquele senhor totalmente alheio, se não fosse a intervenção do mesmo que o indagou com voz firme:
-O que aconteceu peregrino? Por que andas tão triste?
José contou toda a sua desventura, o quanto havia trabalhado, e o quanto aquela mulher havia sido cruel.

Não se preocupe, eu serei seu advogado, volte e fale para aquela mulher que você não aceitou as condições dela e por isso, você arranjou um advogado e amanhã as 10:30 da manhã, haverá naquele terreiro o julgamento desta causa. Fale para ela apresentar uma defesa, pode ficar tranqueiro que você não perderá essa causa. José abraçou a esperança, voltou correndo para a casa da mulher e falou exatamente como o cavaleiro o havia instruído. Encontrou um lugar por ali mesmo e passou a noite.
Na manhã seguinte, a mulher partiu cedo, mas retornou pouco tempo depois acompanhada de um senhor muito refinado, que nosso amigo logo deduziu ser o advogado dela. Por volta das 10 horas, a mulher e seu advogado se acomodaram no pequeno alpendre, prontos para a audiência. Enquanto isso, José se aproximou deles com os olhos fixos na curva da estrada, aguardando a chegada de seu próprio advogado. Mas o tempo passava e nada de seu defensor aparecer.
Às 10:30 da manhã, enquanto a mulher comemorava a vitória antecipada, convencida de que havia ganho a causa, o advogado de José apontou para a curva da estrada. Um cavaleiro, com sua montaria majestosa, galopava vigorosamente em direção ao local. Em questão de minutos, ele chegou e adentrou o alpendre, retirando seu belo chapéu enquanto falava:
“Peço desculpas pelo atraso, tive que cuidar dos trabalhadores na fazenda e cozinhar o feijão para que eles pudessem plantá-lo”, explicou o advogado, justificando sua demora.
A mulher, impulsiva, não tardou em responder: “O senhor é muito ingênuo! Feijão cozido não nasce!”
O advogado, sereno e firme, retrucou: “Assim como ovo cozido não gera pintinho, que também não vira galinha. A senhora deu para o meu cliente ovos cozidos, por isso não tem o direito de receber nada mais do que o valor de ovos cozidos. Agora, devido a essa situação, meu cliente perdeu um dia de viagem. Portanto, a senhora deverá devolver todo o dinheiro que subtraiu dele, além de arcar com as custas dessa audiência.”
A mulher, visivelmente contrariada, entregou ao advogado todo o dinheiro que havia tirado de José. O advogado, então, entregou a quantia a José e disse: “Não perca mais tempo, vá estar com sua família!”
José, com lágrimas nos olhos de tanta felicidade, agradece ao advogado, guarda o dinheiro e sai aos pulos pela estrada, jubiloso por recuperar o seu tão suado dinheiro.
Quando já estava bem adiantado no caminho, José ouve o som da marcha de um cavalo vindo pelo caminho atrás de si, ele aperta o passo e se certifica se guardou bem o seu dinheiro, temendo a ação de malfeitores. Olhando para trás, o nosso amigo identifica que o cavaleiro que se aproximava era o seu heróico advogado.

Falta muito para chegar em casa, peregrino? Perguntou o cavaleiro, parando do lado de José. Acredito que uns cinco dias de caminhada, senhor. Respondeu José. Você lembra de mim, peregrino? José olhou atentamente para o distinto homem e sentiu uma sensação familiar, embora não se lembrasse de onde o conhecia. O fazendeiro então apontou para uma porteira no caminho à frente e disse: – Há algum tempo, ao passar por uma porteira como aquela, você me tirou do chão onde eu estava sendo pisoteado por todos, colocou-me preso no mourão e brincou, dizendo que ali eu teria uma visão melhor da estrada. Seu gesto ecoou através do tempo e do espaço, gerando em mim um imenso sentimento de gratidão. E agora, tive a oportunidade de retribuir quando você mais precisou. Vá embora, peregrino! Vá estar com sua família!”
O cavaleiro, segurando seu chapéu, partiu em disparada com seu cavalo, deixando José para trás. Poucos metros adiante, o cavaleiro e sua montaria, tomaram a forma de um redemoinho e desapareceu no ar, deixando José atônito. Ele mal podia acreditar no que acabara de presenciar, um evento inexplicável que parecia ter vindo de outro mundo.
Permanecendo imóvel por alguns instantes, José sentiu uma mistura de espanto e gratidão. Era como se o cavaleiro misterioso fosse um anjo guardião, enviado para ajudá-lo em sua jornada. Ele sabia que aquela experiência marcante o impulsionaria a continuar em busca de sua família com ainda mais determinação.
Com o coração cheio de esperança e um sorriso no rosto, José retomou seu caminho. Cada passo era firme e decidido, pois, agora ele tinha a certeza de que não estava sozinho. Uma energia renovada o acompanhava, guiando-o em direção ao reencontro com sua amada família.
Enquanto avançava pela estrada, José não conseguia deixar de pensar no cavalheiro misterioso e nas palavras que ele havia dito. Era como se o destino estivesse lhe sussurrando que tudo ficaria bem. A certeza de que em breve estaria abraçando sua esposa e seus filhos novamente preenchia seu coração de alegria.
(Autor desconhecido)

por Rony Barros

Compartilhe este artigo