Poema: É TÃO BOM SER MINEIRO

16 de agosto de 2025 12:16 277

Deus me livre
de viver longe da brasa
que aquece o pão…
e o peito.

Deus me livre
de uma vida sem tacho,
sem chaleira cantando alvorada,
sem o cheiro do café
misturado com o silêncio
miúdo da roça.

Na roça,
o tempo é tempero.
O sal — medida de olho
do olho que ama.

Minha avó
mexia a goiabada
com fé na colher.
Suava açúcar
até virar lembrança.

A cada volta do braço:
um segredo,
um cuidado,
um verso.

A panela é altar.
E a colher,
cajado de profeta.

Feijão cozinha
com reza baixa.
Pão cresce devagar,
ouvindo ladainha
e o chiado
da lenha molhada.

Comida de mineiro
é missa cantada
na língua da família.

É jeito de dizer:
“senta aqui”,
“não vai embora”,
“fica mais um pouquinho…”

Tem gosto que só Minas entende:
pequi no arroz,
quiabo no frango,
bananinha na farofa,
molho grosso de panela,
raspa de tacho,
couve no angu.

Torresmo estalando
conta o tempo.
Biscoito de polvilho
espanta saudade miúda.
Pão de queijo aperta o peito
como abraço de quem voltou.

Quando a tristeza aperta:
canjiquinha com costela.
Quando vem a alegria:
tropeiro na fogueira,
no disco de arado.
Na dúvida:
bolinho de chuva —
que consola até vento bravo.

Porque ser mineiro
é guardar receita no coração,
medir afeto no punhado,
e confiar:
toda dor vira doce
se mexer direito.
Deus me livre
de não saber disso.

De não entender
que cozinha é cura.
Que colher de pau
também faz oração.

E que, entre
uma pitada e outra,
a conversa se alonga —
e a gente aprende
um pouco mais
a ser mineiro.

          Marco Túlio V. Alvarenga
Compartilhe este artigo