O Dia Internacional da Mulher já passou… mas, eu acho que ele nunca passa, ele é eterno… vejam estas belas palavras da Helenice Alvarenga, (Irmã da Doutora Laura, D. Cássia, Claudia Dentista e Cláudio, Eleonora, Cássio, Luciana e Ana Carolina)Filha do Tio Tião e da tia Eunice.
Esta sim é uma Super. Mulher!
Helga Maria
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Interessante o pedido da minha irmã mais nova (Luciana Alvarenga), que resolvi partilhar aqui: a Lu, fazendo um trabalho da faculdade, me pediu pra “colocar “no papel” qual a importância que a escola teve na minha vida…
À primeira vista, parece fácil: o assunto é inesgotável! Vêm à lembrança um mundo inteiro de recordações: o primeiro dia de aula; a primeira professora; os colegas, a maioria desconhecidos, mas os melhores amigos já no segundo dia; o cheiro da sopa na cantina; a merenda levada de casa ou a nota vermelha de dois cruzeiros (anos 60!) para comprar “alguma coisa que não fosse bobagem”… E o uniforme cheirando a coisa nova!Ah, o uniforme novo… Saia plissada azul marinho com suspensório (ou era um peitilho?), blusa branquinha, meias brancas(quase..) e sapatos pretos (Verlon – davam um chulé danado…).
E o medo do desconhecido? E o medo “do difícil”? E o medo de não saber fazer, de não dar conta, de sair da escola sem saber nada? Era o que falavam as amiguinhas da vizinhança da casa da nossa avó e era o que passava na cabeça de uma criança de sete anos, criada na roça e “meio bobona”. Só havia um grupo escolar na cidade – e foi para lá que me levaram: prédio antigo, no alto da cidade, corredores enormes, banheiros escuros e com cheiro “esquisito”, uma diretora que diziam ser muito brava (eu não achei…).
Quando fui para o segundo ano, inauguraram um grupo novo – e meu pai nos levou para lá. Era um projeto novo do estado, para construção rápida: pré-moldados, estrutura de aço, chapas e telhas metálicas (calorão, só de lembrar!). Não deu outra: os ciúmes do pessoal do grupo antigo logo deram vazão ao primeiro conflito que assisti na vida: grupo de cima versus grupo de baixo – “GRUPO DE CIMA, OURO E PRATA; GRUPO DE BAIXO, CACO DE LATA!”. Eram os gritos da meninada, numa frenética “guerra política”, cidade afora.
Vejo que não é tão fácil assim falar objetivamente do papel que a escola teve na minha trajetória como profissional, como mãe, como cidadã – e que ainda tem, mesmo hoje, quando já tenho privilégios de sexagenária. Não tenho como ser objetiva: o subjetivo prepondera. Entre os sete e os oito anos de idade, eu já tinha aprendido que toda história tem mais de um lado, que nada no mundo é tão difícil que não possa ser ensinado, que o banheiro da casa da gente é o melhor de todos, que ninguém é bravo do jeito que as pessoas querem fazer crer e que existem os grupos de cima e os grupos de baixo… cada qual com suas razões, seus sentimentos, seus valores, todos válidos e pertinentes.
Sempre pensei na minha vida como um produto do meio de onde vim: família e escola sempre foram as duas coisas mais valorizadas pelos nossos pais. Deixávamos de ganhar uma roupa nova, mas os livros sempre chegavam. Hoje, sei que tive muita sorte: nunca nos foi negado um livro – necessário ou não, livro pedido era sempre garantia de livro ganho. E o pai comprava coleções e enciclopédias e livros de histórias e de física e de matemática e de gramática e de tudo!
Ele mesmo voltou para a faculdade aos quase quarenta anos – ou seja, não nos faltaram exemplos bons.
Que casa animada e bem frequentada era a nossa! Na filosofia do “prefiro que os colegas venham pra cá estudar”, foram inúmeras as assadeiras de broas cheirosas, bolos com pingos de chocolate, copos de coalhada geladinha, limonada fresquinha, que os filhos e todos os colegas, tantos que quisessem aparecer, puderam desfrutar, para “ajudar a aprender”… “Hora do lanche, gente! Tá na mesa!”, era a frase que, penso, a minha mãe tinha o maior prazer em dizer.
E nos incentivava, sempre, a ajudar os colegas que precisassem de “uma mãozinha” na recuperação, mesmo que já tivéssemos sido aprovados no terceiro bimestre… sem diferença de cor, raça, religião, peso ou quantidade de brinquedos que tivessem! Todo mundo da escola pública, todo mundo amigo, todo mundo unido pelo desejo de aprender, de vencer, de ajudar.
E os professores – posso citá-los, todos, um a um, ainda hoje – sempre foram merecedores da minha mais profunda gratidão. Sempre tive o sentimento de que eles estavam ali, enfrentando sol, chuva, chulé e suor misturados com cheiro de mexerica (depois do recreio no pátio, era o que restava…), doando um pedaço da vida e da alma deles para que nós, seus alunos, pudéssemos ter um futuro. Se não nos tornássemos profissionais brilhantes, que fôssemos, pelo menos, capazes de discernir o certo do errado, o bom do mau e que pudéssemos manter sempre o equilíbrio entre os débitos e os créditos que o mundo nos apresenta.
E, então, chegada a hora, eu segui, sem medo, rumo à cidade grande, à universidade, ao trabalho e ao mundo. Se dei alguma contribuição positiva, se consegui “fazer as contas” e tornar algo melhor na vida de alguém, foi porque a aritmética, a matemática, o português e as outras línguas, a geografia, a história, o desenho, a química, a física, a biologia, a contabilidade, a estatística, a lógica e todos os outros conceitos, técnicas, práticas e teorias passaram, um dia, a fazer parte de mim. Alguém os colocou aqui dentro para serem usados para o bem – sempre tentei usá-los da melhor forma possível. E nunca me afastei deles.
Todas as escolas pelas quais passei, todos os professores a quem devo o maior respeito, todos os amigos e companheiros de estudos nas altas madrugadas, toda a família e os companheiros de profissão formam um conjunto inseparável. Devo a esse conjunto, a todo ele, a pessoa na qual me tornei.
Hoje, aposentada profissionalmente, rendo à escola as minhas homenagens: voltei a ela, nos bancos dos alunos, há quatro anos. Começar de novo… lá atrás, me foi ensinado a não ter medo!
Belo Horizonte, 25/02/2016″