Receita de detração da vovó

4 de julho de 2016 11:48 1738

A receita de hoje, como vocês poderão comprovar, é muito fácil. Tão simples que qualquer criança já é capaz de fazê-la com a habilidade e o êxito de um adulto experiente. Exemplo disso pode serhenrique visto no drama dinamarquês de 2012 chamado “A Caça”. Verdade que em cidades muito grandes você encontrará um pouco mais de dificuldade, sendo necessário talvez outros recursos. No entanto, em comunidades pequenas é praticamente instantâneo. Então, vamos direto aos passos mais básicos e importantes. São as regrinhas gerais, mas nada impede que você crie estratégias e técnicas pessoais que melhor lhe convier.
Esse banquete só é possível no plural. Dessa forma, a primeira coisa mais óbvia a fazer é sair de sua toca. Em casa ou em qualquer lugar, solitário e sem comunicação, é impossível de começar essa sutil, prazerosa e deliciosa obra de arte. Os ingredientes básicos, que provavelmente seu armário está abarrotado deles (e ainda bem que não são perecíveis!) são: Inveja, cobiça, mágoa, medo, frustração, raiva. É bem provável que, tendo alguma dessas matérias primas em abundância, ou na melhor das hipóteses mais de uma delas em fartura, você deve estar com a autoestima baixa, se sentindo um lixo. Ótimo! Quanto pior seu estado emocional e mais acentuado o sentimento de inferioridade em relação aos outros, melhor será sua disposição e criatividade. Coloque tudo em um embornal e busque aliança com uma pessoa mais próxima de você.
Quando estiver junto à essa pessoa escolhida pelo calor de seu coração inchado, a primeira coisa a ser feita é eleger um terceiro que certamente não poderá pertencer ao grupo identitário do qual você e seu interlocutor fazem parte nesse momento. Esse terceiro pode ser tanto um indivíduo como um grupo de pessoas. O mais importante nesse momento é deixar claro para a pessoa com a qual você conversa que o que você está falando baixinho no pé do seu ouvido não é por maldade. Você deve fazer suas palavras parecerem, “no fundo”, uma vontade enorme e generosa de ajudar. Faça parecer que o que você revela tem o intuito, por exemplo, de precavê-la contra aquele terceiro. Ah, seria inteligente de sua parte começar o assunto insinuando que você até gosta desse terceiro de quem fala a respeito. Destaque alguns pontos positivos sobre a vítima antes de chegar ao conteúdo real de seu interesse. Não existe faixada melhor pra começar uma detração do que um elogio, numa voz sombria e suave. Esse primeiro passo é importante porque, de uma forma ardilosa e rasteira, você consegue destilar sua maldade ao mesmo tempo em que se mostra ser uma ótima pessoa. Ressalte quantas vezes for necessário que o que você está fazendo tem a intenção de ajudar. Isso cola sempre.
Preste bem atenção: a detração tem que estabelecer uma alteridade, uma diferença. De preferência, que seja algo que você e a pessoa que escuta abominem ou temem. Não dá pra tacar pedra no telhado alheio sem garantir que o seu e do ouvinte não são feitos do mesmo material. Por exemplo, se você for falar mal de um gay, você e quem te escuta devem ser héteros; se for fazer piada de negros, você e seu interlocutor devem ser brancos; se pertencerem a uma igreja X, o terceiro deve ser da igreja Y; mineiros e paulistas por exemplo podem falar dos nordestinos… e por aí vai. Você não pode rir de um gordo se a pessoa com quem você fala está acima do peso. Entendeu? Outra coisa, não exagere no conteúdo. O que você fala deve ser minimamente plausível, mesmo que seja uma mentira. Não importa. Se você puder mencionar que tem um parente, um amigo, ou um conhecido qualquer que comprova o que você está falando, perfeito. O que vale é que o que você diz seja possível de acontecer ou ser, para não perder a confiança e a aliança de quem te escuta.
Outro ponto de suma importância: Insinuar é mais prático e eficiente que afirmar. Lembre-se que veneno diluído é melhor aceito. Sim, você tem razão em dizer que com isso existirá o risco de você não ser entendido. Mas fique tranquilo, dá certo do mesmo jeito. Vá lentamente pelas bordas, por exemplo: “você viu fulana entrar na casa de beltrano sábado passado? Já é a segunda vez que isso acontece… ah, mas deve ser assunto de trabalho.”; “Ele tirou o filho daquela escola… ah, mas deve ser por causa da crise.”; “ela procurou um advogado esta semana e não foi à igreja com o marido no domingo… ah, mas hoje em dia a gente precisa de advogado pra tudo, né?!”; “o rapaz estava na porta do consultório daquela psicóloga… não deve ser nada demais, talvez seja uma orientação profissional para o jovem”. Compreendeu? Você diz sem dizer, afirma sem afirmar. É a sutileza da forma como se diz que garantirá o sucesso de seu objetivo.
Pronto. Mais instantâneo que um Miojo, sua detração está pronta para te servir! Agora é só aguardar seu veneno cozinhar nos ouvidos cegos, dourar nos cérebros maliciosos e crescer no fermento das línguas bifurcadas. No Brasil, a Manihot esculenta possui vários nomes dependendo da região, como por exemplo mandioca, aipim, castelinha, uaipi, macaxeira, maniveira. Assim também o é a detração: fofoca, boato, babado, mexerico, difamação, maledicência, maldizer… são palavras diferentes, mas sinônimas em sua intenção: atacar, diminuir, depreciar alguém… ao mesmo tempo que traz a sensação de elevar a posição do fofoqueiro. Hoje em dia, dada nossa evolução tecnológica, existem muitas fofocas industrializadas: sites, blogs, programas de TV, colunas de jornais, revistas especializadas etc. Mas… convenhamos, nada se compara ao sabor de uma fofoca fresquinha e caseira, não é mesmo?! Buon appetito!


Henrique Aquino
Psicoterapeuta

Compartilhe este artigo