Coluna: Se ler, já sabe, né???
“Todos os jogadores fechem os olhos.
“Apenas os espiões abram os olhos e se reconheçam.”
“Espiões fechem os olhos.”
“Agora, todos os jogadores abram os olhos.”
O tabuleiro já estava disposto no centro da mesa, cercado por olhares atentos e mãos inquietas. Cada jogador tinha recebido sua carta secreta: Resistência ou Espião. Ninguém sabia em quem confiar, mas todos sabiam que a próxima escolha seria decisiva. Entre risadas iniciais de descontração, os sorrisos ora tensos, ora fingidos se transformavam. Na sala, o clima oscilava entre cumplicidade e paranoia. Alguns se esforçavam para manter uma aparência neutra; outros, para lançar veladas suspeitas. Era uma partida de uma versão mais evoluída de “detetive”. Sim, esse mesmo! Aquele jogo amistoso em que um assassino fulmina suas vítimas com uma piscadela furtiva – um símile da vida real, onde a confiança é tanto moeda quanto arma. Porém, no jogo em questão, a argumentação assume um papel fundamental, existindo dois grupos bem definidos de jogadores: os membros de uma resistência, que precisam aprovar missões e obter três sucessos pra se sagrarem campeões, versus os perversos espiões, os quais, sorrateiramente, se infiltram nas missões e lançam uma carta de “falha”. Uma regra essencial do jogo é que os jogadores podem dizer o que quiserem, a qualquer momento do jogo. Discussão, subterfúgio, intuição, interação social e dedução lógica são estratégias igualmente importantes para vencer. A cada rodada um dos participantes é o “líder”, e como líder convoca a equipe que vai participar de uma missão. Ao selecionar os membros da equipe, todos da mesa dispõem de uma carta de “Aprovado” e outra de “Rejeitado” que ao comando de votação deve ser apresentada simultaneamente. A equipe é aprovada se a maioria dos votos for favorável e rejeitada se a maioria tiver votado contra as indicações do líder. Quando aprovado os membros da missão, estes têm que escolher entre duas cartas: “Sucesso” ou “Fracasso” de acordo com sua lealdade ao grupo que pertence. Lógico que não é de forma escancarada, explícita, mas colocando na cumbuca, junto com os outros participantes da missão, as cartas repassadas viradas pra baixo, secretamente, na qual serão devidamente apresentadas pelo líder revelando o resultado. Uma mísera carta de falha é suficiente para acabar com a missão. Tal manobra ardilosa por parte dos espiões, de infiltrar uma cartinha “falhadora” frustra as iniciativas do grupo, ou seja, avacalha a luta por um mundo melhor. Então, como separar o joio do trigo?
“Vamos lá!”, disse Camila, a líder da primeira missão. “Espero que vocês saibam escolher bem. Uma falha agora pode nos custar o jogo.”
CAMILA: (com um sorriso nervoso) “Bem, vou levar a mim mesma, a Renata, o Alex e, ahnn… o Eduardo! Parece justo.”
EDUARDO: (com leve desdém) “Sério? Isso me parece conveniente demais. Você nem sabe se sou confiável.”
JHONIE: (rindo baixo) “O espião faria exatamente esse comentário. Ou será que não?”
RENATA: (cruzando os braços) “Já começou a paranoia. Olha, eu só digo isso: um espião nunca se revela logo de cara. Camila, escolha quem você realmente acha que vai ajudar.”
Camila titubeia, fitando os rostos ao redor da mesa.
CAMILA: “OK, então vou trocar o Eduardo pelo Jhonie. Alguma objeção?”
ALEX: (batendo na mesa) “Sim, várias! Jhonie é sempre misterioso demais. Ele nunca diz nada no começo, mas lá no final… BUM, missão sabotada!”
EDUARDO: (calmo) “Essa lógica é tão furada que dói. Mas beleza, não vou lutar pra entrar na missão. Talvez quem grite mais seja o verdadeiro culpado, hein, Alex?”
ESTER: (interrompendo) “Calma, calma! Se continuarmos assim, os espiões ganham só vendo a resistência brigar entre si.”
THAIS: (checando as unhas) “Humm!
JOÃO PAULO: (desinteressado) “Se há um espião entre nós, saibam que não sou eu.”
O jogo era assim e continuava num toró de pitacos, debates, achismos, possibilidades e tentativas de descobrir quem é quem, os corretos entre os falsos, e quais das mentiras eram mais espontâneas. As escolhas para a missão foram votadas. Uma crescente tensão tomava conta da sala, enquanto cada um entregava sua carta e os resultados eram revelados: Sucesso, sucesso, sucesso… Falha.
CAMILA: (exaltada) “Eu sabia! Tem um espião entre nós. Jhonie, só pode ter sido você!”
JHONIE: (defensivo) “Ou foi você mesma, Camila, pra poder jogar a culpa nos outros.”
EDUARDO: “Ou talvez tenha sido o Alex, aquele que grita pra desviar a atenção.”
ALEX: (rindo) “Não, Eduardo. A única pessoa que te defendeu até agora foi a Camila. Isso não parece… hum… Conveniente?”
ESTER: (carinhosa) “Alex, meu bem, você é realmente da resistência, né?! Fica mais tranquilinho, é só um jogo.
THAIS: (neutra) “Nóooo.”
JOÃO PAULO: (preocupado) “Jhonie, por acaso você não esqueceu de subir a cerveja da geladeira para o freezer? As da direita estão mais geladas.”
Após várias outras rodadas de vetos e resultados alternando entre sucesso e falha, Renata, líder da próxima missão, hesitava. Quem escolheria para embarcar no time? Apesar das desconfianças contra ela, integrava a facção da resistência e sabia que, dentre os oito participantes, três eram espiões. O time já havia perdido duas tentativas; um novo fracasso selaria a vitória dos espiões. Como escolher? Quem de fato seria digno da sua confiança?
RENATA: (nervosa, ajustando os óculos) “Tudo bem, vou arriscar. Eu escolho a mim mesma, o João Paulo, o Alex e o Eduardo. Se houver alguma falha, saberemos quem está mentindo, pois na missão que deu certo os três estavam.
JHONIE: (arqueando as sobrancelhas) “Sério? Você tem tanta certeza assim de que o Eduardo não é o problema? Me coloca nessa missão que garanto que vai dar certo.”
EDUARDO: (incrédulo) “Claro que não sou eu! E honestamente, Jhonie, você tem se escondido por detrás das sombras o jogo inteiro.”
ALEX: (eufórico) “Dessa vez a Renata mandou bem! Time da resistência é fera demais! UHUU É RESISTÊNCIA!”
ESTER: (docemente) “Mandou bem nada, benzinho! Essa missão vai fracassar!”
THAIS: (neutra) “Hã!”
JOÃO PAULO: (cutucando a mesa com os dedos) “Chega de blábláblá. Vamos logo com isso. Quero só ver o resultado.”
A votação foi feita, e a equipe foi aprovada por uma margem apertada. Os quatro membros da missão pegaram suas cartas de resultado: três de sucesso e uma de falha. Eles as colocaram de forma anônima no centro da mesa. Renata embaralhou as cartas e revelou os resultados: sucesso, sucesso, sucesso, falha.
ALEX: (erguendo a voz) “O quê? Não pode ser! Alguém aqui está mentindo… Não é possível… Pela lógica nós todos somos da resistência… Tinha certeza! Meus cálculos não podem estar errados! É você Eduardo? É você Renata?
RENATA: (chocada) “Você tá louco? Não fui eu! Deve ter sido o João.”
CAMILA: (atônita) “Gente, eu não estou entendendo mais nada!”
PAULO: (rindo alto, debochando) “Nós somos péssimos neste jogo. Todo mundo aqui sabe que foi o Eduardo. É óbvio. Ele sempre nos engana!”
EDUARDO: (atordoado) “Desta vez até eu não estou entendendo… Pelas expressões realmente acreditei que todos nós fazemos parte da resistência.”
THAIS: (neutra) “Vixe!”
A discussão começou a esquentar. Os quatro membros da última missão se entreolharam, buscando sinais de mentira. Mas foi Alex, até então pasmado com o resultado, quem interrompeu o tumulto com uma observação inesperada.
ALEX: (tentando falar devagar e calmamente, em um esforço imenso para soar indiferente) “E se quem sabotou foi você, Renata?”
RENATA: (indignada) “Eu? Por que sabotaria meu próprio time? Faz algum sentido isso?”
EDUARDO: “Faz, se você estiver desesperada. Às vezes, as pessoas fazem coisas inexplicáveis só pra evitar serem pegas.”
RENATA: (desconfiada) “Ou talvez seja você, Eduardo, tentando disseminar a dúvida no lugar errado.”
Todos começaram novamente a acusar uns aos outros, aquela algazarra de desconfiança e uma incapacidade tremenda de conseguirem se comunicar.
JHONIE: (socando a mesa) “CHEGA! Quero saber quem aqui está brincando de ser sabotador sem motivo. Até porque sei que eu, a Ester e a Thais que somos os espiões. Como assim vocês mesmos se sabotarem?”
Renata baixou os olhos, respirou fundo e, com um misto de vergonha e exasperação, se manifestou:
RENATA: (sussurrando) “Fui eu!”
JOÃO PAULO: (estarrecido) “O quê?! Mas você é da resistência!”
RENATA: (com a voz trêmula) “Eu sei, eu sei… Mas todo mundo já estava brigando tanto, e eu achei que não íamos ganhar de qualquer jeito. Me confundi… não sei por que fiz isso.
CAMILA: (desolada) “Você nos custou o jogo! Isso não faz sentido nenhum!”
RENATA: (encolhendo-se) “Às vezes, nós mesmos somos nossos piores inimigos.”
ALEX: (com os braços abertos) “A gente nunca vai ganhar assim. Como é que podemos lutar contra os espiões se a própria resistência não confia uns nos outros, e, pior, sabota a missão?”
RENATA: (abalada, com voz trêmula) “Você tem razão. Eu… Eu falhei porque estava tão presa nessa ideia de desconfiança que comecei a ver espiões em todo mundo, até em quem era meu aliado. É como se eu tivesse me perdido. E, no fim, fui eu quem traí a resistência.”
A derrota foi anunciada com um gosto amargo. Os espiões riram, brindando à sua vitória. Mas para a resistência, restava a reflexão sobre quem somos quando a desconfiança vira a regra, e a confiança, a exceção. Como saber em quem acreditar? Como saber se quem nos estende a mão não está com uma faca escondida na outra? As emoções e decisões impulsivas podem ser tão destrutivas quanto uma calculada sabotagem.
THAIS: (sorrindo) “Rá! Sempre ganho neste jogo. O segredo, queridos, é falar pouco!