O mês de maio se foi, e junto com ele suas datas significativas que serão relembradas apenas no próximo ano. Mas nosso assunto aqui é pertinente e atemporal, pois até lá a vida de algumas crianças continuará seu percurso cotidianamente infernal. Um inferno gélido, sombrio, de dor e sofrimento solitário – muitas vezes com a conivência ou negligência de seus pais, familiares, professores ou toda sorte de adultos irresponsáveis que cercam a vida miserável dessas crianças vítimas de violência sexual. Por isso nos importa que o dia 18 de maio ecoe para além de suas 24hs, no Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças.
No dia 18 de maio de 1973, uma menina de 8 anos foi sequestrada, violentada [eufemismo da mídia] e cruelmente assassinada no estado do Espírito Santo. Seu corpo apareceu seis dias depois carbonizado e os seus agressores, jovens de classe média alta, nunca foram punidos. Essa barbárie ficou conhecida como “Caso Araceli”. Com a criação da Lei Federal 9.970/2000, a data ficou instituída como o “Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes”.
Violência sexual é a situação em que uma criança é usada para o prazer sexual de uma pessoa mais velha. Trata-se de qualquer ação de interesse sexual, impróprias à sua idade, ou ao seu desenvolvimento físico, psicológico e social, movida através da força bruta ou qualquer outro tipo de coerção. Há duas situações que configuram esse tipo de crime: O “abuso sexual”, que envolve contato sexual entre uma criança e um adulto ou pessoa bem mais velha e, consequentemente com certo poder sobre a vítima; e a “exploração sexual”, quando há pagamento para se ter sexo com pessoa menor de 18 anos.
No Brasil o “Disque 100”, criado pela Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, é um serviço de recebimento, encaminhamento e monitoramento de denúncias de violência contra crianças e adolescentes. Lembrando também que o Conselho Tutelar é um órgão que se encarrega de zelar pelo cumprimento dos direitos da criança e do adolescente no município. Já o Centro de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS) constitui-se numa unidade pública e estatal onde se ofertam serviços a famílias e indivíduos em situações de violação de direitos. O Brasil parece carente quanto à precisão de dados sobre esse tipo de violência contra nossos infantes. No entanto, os levantamentos disponíveis revelam números assustadores.
De acordo com as pesquisas, o abuso sexual é o 2º tipo de violência mais comum contra crianças. Cerca de 18 mil crianças podem ter sido vítimas de abuso sexual em 2015, o que significa dizer mais de 50 por dia. Dos suspeitos, 65% pertencem ao grupo familiar das vítimas, e os locais de maior incidência (72%) são a própria casa do menor ou a residência do agressor. Importante lembrar que a criança – considerando seu estágio de desenvolvimento – não é capaz de entender o contato sexual ou resistir a ele e, como apontam as pesquisas, em geral ela é dependente psicológica e/ou socialmente do agressor. Isso agrava a situação consideravelmente! Além disso, sabemos também que existem fatores de vulnerabilidade que incidem diretamente sobre o problema. Dentre os principais fatores estão pobreza, exclusão e questões ligadas à raça e gênero. Entre os casos registrados, um ou mais desses fatores estão quase sempre presentes. Ou seja, quando ocorre a violência sexual, provavelmente outros direitos já foram violados, a criança já fora negligenciada e potencialmente experimentou a violência física e psicológica anteriormente.
Essa triste realidade faz lembrar que “prevenir é o melhor remédio”. A melhor maneira de se combater a violência sexual contra crianças e adolescentes é a informação. É necessário um trabalho informativo junto aos pais e responsáveis, a sensibilização da população em geral e dos profissionais das áreas de educação, saúde, com atenção as crianças em situação de risco. A sexualidade sempre teve espaço nas preocupações da escola e da família. No entanto, de forma prolixa e distorcida (como se estivéssemos vivendo ainda no século XVIII), tratada por um viés moralista que mais reprime do que incentiva a expressão das vivências e curiosidades presentes no mundo da sexualidade infantil. A consideração da sexualidade de uma forma geral na sociedade se baseia na culpa e na repressão. Um excessivo controle social com conseqüências pesadas para a vida e a saúde dos indivíduos. Esse controle não faz bem, por exemplo, porque inibe as crianças, ensinando e incentivando-as a ficarem caladas diante das diferentes experiências que podem sofrer, como por exemplo, a traumatizante violência sexual.
Se quisermos um mundo mais responsável com todas as NOSSAS crianças, não podemos dar preferência a um gemido sufocado que ninguém ouve em detrimento da explicitação das questões relativas à sexualidade e aos riscos de violência contra incapazes. Daí a importância de um trabalho de orientação sexual, sempre oportuno, na escola e com a família. Onde não se é julgado, aí confessa a alma. Portanto, melhor seria a abertura ao conhecimento, a orientação e esclarecimentos acerca do amplo universo relacional em que vivemos desde a tenra idade. Conversar sobre o assunto não significa incentivar a prática, muito pelo contrário, trata-se de proteger contra a violência. Não conversar sobre é negligência, conivência… violência!
Por Henrique Aquino
Psicólogo